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-- DoriedsonAlmeida - 27 Mar 2007
Além das reinvenções cotidianas escolares realizadas por aqueles que como já disse “estão no olho do furacão”, existem outras questões que consideramos igualmente importantes nesse contexto. As múltiplas possibilidades de intervenção proporcionadas quando da implementação das TICs na escola, podem ser acentuadas ou minimizadas pela criatividade dos responsáveis por essa “subversão cotidiana” que nos coloca Certeau. Entendemos que essas possibilidades, e até mesmo a capacidade criativa são diretamente influenciadas pelos softwares, tecnologias, propostas pedagógicas, domínio das tecnologias, enfim por tudo que possa estar presente nesse ambiente.
Também, consideramos importante o estudo das múltiplas intervenções proporcionadas quando da implementação das TICs na escola. Diferentes são as possibilidades tecnológicas e os objetivos das políticas públicas que as norteiam; então, não poderemos estudar o problema dos impactos causados por tais tecnologias no currículo/cotidiano escolar a partir da análise de um único modelo de intervenção. Devemos buscar a análise de diferentes propostas e políticas de inserção de novas tecnologias na escola, guiando-nos pelo olhar e sentimento daqueles que estão presentes e construindo o dia-a-dia no ambiente virtual: professores, alunos, pedagogos, técnicos em software, etc.
Partindo dessa visão, pretendemos analisar pelo menos duas propostas que se mostram antagônicas em seus modelos de intervenção. A partir da investigação das mentalidades dos atores envolvidos, tentaremos entender como elas impactam o currículo.
As políticas de implementação de tais tecnologias não concebem a adequação curricular como fator importante para o seu sucesso. O que presenciamos, são intervenções a partir de modelos curriculares inadequados; isso dificulta uma integração mais flexível entre conteúdos curriculares e as possibilidades oferecidas pelas tecnologias.
A inserção de tecnologias no espaço/cotidiano da escola pode obedecer a diferentes modelos pedagógicos/curriculares/ideológicos; tanto do ponto de vista dos objetivos pretendidos, quanto do uso das tecnologias adotadas. Os estudos e as pesquisas realizadas nem sempre abordam a questão a partir das experiências, observações e constatações daqueles que estão presentes na construção cotidiana desses modelos. Pretendemos, a partir da idéia de cotidiano proposta por Certeau (1996), dos currículos em rede (Ferraço, 1999) e das possibilidades de tecer conhecimentos em rede proposta por Alves(1999), investigar como tais modelos e tecnologias impactam o currículo, e como são absorvidos por ele a partir de um olhar que privilegie os sentidos e as relações do moderno ferramental disponibilizado pelas novas mídias informatizadas em uso no espaço/cotidiano escolar.
Ao relacionar tecnologias e cotidiano da escola, nossa preocupação central nesse projeto de pesquisa será a de verificar como ocorrem as interações entre esse ferramental tecnológico com aspectos importantes para o cotidiano da escola, tais como: atividades discentes e docentes, problemas decorrentes dessas atividades, integração ao currículo prescrito, nível de rejeição e/ou aceitação das novas técnicas por professores e alunos, estratégias criadas por esses atores para atuação frente às adversidades encontradas, etc. Tentarei desvelar como ocorre (ou não) o uso das novas técnicas para auxiliar na realização das atividades propostas pelo currículo prescrito e verificar como isso impacta o cotidiano da escola.
Nos dias atuais percebemos a presença intensa de instrumentos tecnológicos – que preferimos denominar de elementos tecnológicos para diferencia-los de uma perspectiva instrumental e mecanicista – que vem possibilitando uma nova razão cognitiva, um novo pensar, novos caminhos para construir o conhecimento de forma prazerosa e lúdica. Tal constatação provoca muitos questionamentos por parte de vários segmentos da sociedade, inclusive dos professores, que vêem, de um lado, estas tecnologia com certa desconfiança e, de outro, com expectativas exageradas que fogem à realidade, uma vez que acreditam que estes elementos tecnológicos, por si só, possam resolver os problemas do sistema educacional. Vivemos esta ocilação constante entre estes pólos e pensamos ser urgente, neste momento, construir uma postura de equilíbrio, percebendo as possibilidades e limites destas tecnologias no ambiente escolar (Pretto, 1996, p.30).
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Entendendo cotidiano da forma que nos coloca Oliveria(2003) como o espaço/tempo no qual e através do qual forjamos nossas identidades e tecemos nossas redes de subjetividades, em função dos múltiplos conhecimentos, valores e experiências com os quais convivemos nele, esperamos resgatar esses saberes e fazeres cotidianos na busca de um melhor entendimento de como a escola constrói e resignifica cotidianamente sua relação com as tecnologias, seja num cenário hegemônico ou contra-hegemônico.
O debate a respeito da natureza opressiva, anti-social ou ao contrário benéfica e amigável da informática nunca ficou confinado ao círculo dos sociólogos, dos filósofos, dos jornalistas ou dos sindicalistas, (os pretensos especialistas das finalidades - dos usos - e das relações entre os homens). Ele começa com os cientistas, os engenheiros, os técnicos, com os assim chamdos profissionais das relações entre as coisas, aqueles que supostamente cuidariam apenas dos meios, das ferramentas. A distinção abstrata bem dividida entre fins e meios não resiste a uma análise precisa do processo sóciotécnico, no qual, na realidade, as mediações (os meios, as interfaces) de todos os tipos se entreinterpretam em relação as finalidades locais, contraditórias e perpetuamente contestadas, tão bem que, neste jogo de desvios, um ¨meio¨qualquer nunca possui um ¨fim¨ estável por muito tempo (p. 59).
Até hoje a maioria das defesas que são feitas do uso de TICs em educação obedecem uma lógica quase sempre voltada para exaltar as possibilidades tecnológicas estáticas oferecidas por diversas tecnologias, quase sempre sem possibilidades de readequações à realidades distintas, capacidade de submeter os meios às finalidades e necessidades específicas, presentes em cada realidade local.
Tais tecnologias e/ou softwares destinam-se às mais diferentes finalidades: pedagógicas, comunicacionais, empresariais, etc., sempre bem definidas, muitas vezes buscando atender fortes interesses mercadológicos ou de disseminação de padrões tecnológicos, mas, sem levar em conta o real impacto desse aparato no cotidiano da escola, sem avaliar o uso real que delas é ou será feito, sem avaliar a relação de professores e alunos com tais tecnologias, sem perceber a sua incompletude própria de modelo em construção, afetando assim a identificação de suas efetivas possibilidades para a melhoria do aprendizado, Pretto (2000), nos fala sobre isso:
Como os professores, alunos, diretores, corpo técnico pedagógico, podem levar adiante as diretrizes norteadoras destas ações, se muitas vezes não compreendem o porquê, para quê e como interagir com esses elementos tecnológicos na escola? Em outras palavras, a percepção não clara das razões mais profundas desta relação educação- tecnologia fez com que, muitas vezes, estes equipamentos fossem subutilizados, sendo quase mais um elemento de decoração ou de uso promocional da instituição escolar, tendo pouco uso e se tornando rapidamente obsoletos (p. 29).
Assim entendemos que só a busca pelos acontecimentos cotidianos em torno de tais tecnologias será capaz de nos mostrar como essas percepções realmente ocorrem; e como a partir dessa percepção os professores constroem o seu percurso de interação com as tecnologias e com o mundo virtual que ora se sobrepõe ao espaço/tempo da sala de aula. Então, buscamos na fala de Ferraço (2003) o aporte para nossa proposta/intenção ao investigar algo que em nossa opinião ainda encontra-se inacabado, em construção, sendo assimilado pela escola:
Parece-nos interessante à idéia de que nos estudos e pesquisas “com” os cotidianos se mostra fundamental a dimensão “do lugar”, “do habitado”, “do praticado”, “do vivido”, “do usado”, como defendem Certeau (1994,1996) e Lefebvre (1983,1991). Os estudos com os cotidianos acontecem em meio ao que está sendo feito[...](p. 163).
Os usos e os fazeres das tecnologias no cotidiano da escola e suas interconexões com o currículo, muitas vezes encontram-se baseados em falsos pressupostos o que as tornam obsoletas e incapazes de contribuir para uma efetiva mudança, conforme Pretto (2000):
Nossos currículos, programas, materiais didáticos, incluindo os novos e sofisticados multimídias, softwares educacionais, vídeos educativos, continuam centrados em três grandes falácias, como afirmou Emilia Ferreiro para a Revista TV Escola. Segundo ela, insistimos ainda que a aprendizagem deve se dar sempre do concreto para o abstrato, do próximo para o distante e do fácil para o difícil (MEC 1996). Mantendo esta perspectiva, evidentemente não conseguimos compreender as transformações contemporâneas que estão modificando todos os campos, do trabalho, do lazer, do social, do saber e, seguramente, também da educação (p. 8).
Então, essa apropriação das tecnologias que ao nosso olhar vem ocorrendo a partir do currículo praticado, conforme proposto por Ferraço (2001), deve ser levada em consideração para que possamos entender as transformações provocadas por esses aparatos tecnológicos no cotidiano da escola. Defendemos um currículo que é efetivamente realizado/percorrido/construído no cotidiano da escola, sendo capaz de redefinir o papel dos diversos atores ai envolvidos, superando desafios, propondo estratégias de interação e construindo o cenário e o tempo/espaço,
Nesse sentido o conceito de “redes” da forma como são concebidos por autores ligados a pós-modernidade, será importante para a compreensão dessas transformações cotidianas que vem ocorrendo no espaço/tempo da escola; pois entendemos que essas redes (res)ignificam esse espaço, fazendo com que ele coexista paralelamente com múltiplos outros espaços/tempos simultaneamente.
[...] tudo isto popularizou o termo – rede – que está, hoje no âmago da nova forma de construir o conhecimento, em todas as áreas de atividades humanas - das ciências aos movimentos sociais, do mundo do trabalho à comunicação social. [...] sendo assim, para se entender, realmente, como por diversos fios se tece a idéia de conhecimento em rede, é preciso admitir que existe o uso cotidiano de novas tecnologias e novos conhecimentos. (Alves, 1999, p. 119-120)
A nosso ver esses múltiplos espaços/tempos paralelos e convergentes com o cotidiano real exigem do professor novas posturas, como por exemplo, a capacidade de atuar como elo de ligação entre esses diversos “mundos” colocados sobre essa complexidade.
Esta análise em termos de rede de interfaces permite-nos recusar qualquer visão essencialista, estática, ou logicizante do computador. Não é possível deduzir nenhum efeito social ou cultural da informatização baseando-se em uma definição pretensamente estável dos autômatos digitais. Basta que seja conectada a uma nova interface (a tela catódica, o mouse, uma nova linguagem de programação, uma redução de tamanho) à rede de interfaces que constitui o computador no instante t, e no instante t+1 se terá obtido um novo coletivo, uma outra sociedade de microdispositivos, que entrará e, novos arranjos sociotécnicos, mediatizará outras relações, etc” (Levy, 2001, p. 177).
Da mesma forma, a relação dos aparatos tecnológicos com “os conceitos” e proposições em torno do termo “rede”1, e que a nosso ver, a partir da criação da internet, encontra o seu lugar/não lugar, onde esse lugar não/lugar pode ser entendido como o espaço para onde converge todos esses conceitos de rede, o lugar que hoje os corporifica, mas que no entanto permanece como espaço intangível, uma vez que são mantidas a suas características de desterritorialização e de espaço virtual.
“Na rede, espaço e tempo são entidades relativizadas, pensadas e vividas sob a perspectiva em que se colocam. O que importa são os significados, a configuração, as inter-relações que cada um dá ou estabelece entre os conceitos e conhecimentos que possui. Logo há distâncias e distâncias entre as representações e os significados que são criados no tempo e no espaço, dependendo das redes de cada um e das articulações feitas” (Ferraço, 2000, p.161).
Entender como essa significação e inter-relação que nos coloca Ferraço ocorre a partir da escola, só será possível se buscarmos a compreensão do que realmente ocorre no cotidiano, considerados os erros e acertos, pontos positivos e negativos, proposto e percorrido. Por isso, essa realidade presente num mundo composto por uma espécie de universos paralelos (reais/virtuais) que se interconectam e dialogam, se complementam também será levada em consideração na observação dos modelos brasileiro e europeu de uso de tecnologias pela escola, sempre a partir do olhar daqueles que os constroem com seu aprendizado cotidiano.
Por fim, nosso problema de pesquisa levará em conta diferentes realidades de inserção de tecnologias na escola numa busca por compreender as diferentes faces de uma mesma moeda, na tentativa de compreender essa disputa ideológica estabelecida pela existência de modelos hegemônicos e contra-hegemônicos, concebidos a partir de modelos organizacionais completamente antagönicos, mas que em última instância sempre impactam o dia-a-dia da escola.
Esperamos também ser fieis às experiências cotidianas, ao que realmente ocorre a partir de sua instalação no espaço/tempo real da escola, pois acreditamos que isso tornará mais fácil nossa tarefa de entender como ocorre essa apropriação de tecnologias pelo espaço/tempo da escola e como se dá essa modificação, resignificação e essa convergência e sobreposição entre os espaços reais e virtuais que agora convivem como universos paralelos no mesmo ambiente, como nos diz Pretto(1995):
Começa a surgir uma nova percepção espacial que modifica, também, o conceito de Geografia, agora não mais baseada apenas no espaço mas sim, vinculada ao espaço-tempo. Como diz Paul Virilio, "a geografia do dia da velocidade e não mais a geográfica do dia meteorológico (Pretto, 1995, p. 313).
É a compreensão dos impactos causados por essa nova realidade espaço/temporal que é corporificada pela presença desse novo ferramental tecnológico no cotidiano real da escola que irá contribuir para a confirmação de nossa hipótese: as tecnologias empurram a escola rumo a diferentes universos e espaços/tempos, redefinindo sua arquitetura, mesmo sem derrubar nenhuma parede, mas através da possibilidade intrínseca de poder conceber espaços paralelos e convergentes de conhecimento, que, no entanto, para sua concretização precisa oferecer condições para que a capacidade criadora, os modos de fazer, como nos fala Certeau (1996), enfim, que o conhecimento presente no cotidiano escolar seja capaz de aflorar e estabelecer um diálogo bidirecional com esse novo universo, esse novo espaço/tempo. |