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Geração alt-tab deleta fronteiras na educação

Entrevista

Para Nelson Pretto, da UFBa, a inclusão digital ainda está muito distante da escola ### arquivo em pdf
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20 de julho de 2006

por Lia Ribeiro Dias

O que os projetos de inclusão digital e outros programas de formação de crianças e jovens, como os da área da cultura, têm a ver com a escola tradicional? Na opinião do físico e educador Nelson Pretto, diretor da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia, eles existem porque a escola não é o que deveria ser: ter professores qualificados, oferecer todas as atividades que os jovens encontram nesses programas e serem abertas à participação da comunidade. Mas ele diz que esses programas conquistaram um espaço tão importante e que a maioria deles vem desenvolvendo um trabalho tão significativo, que, mesmo que a escola mude na direção desejada, eles não poderiam simplesmente ser eliminados. O que Nelson prega é uma aproximação entre a escola e esses projetos, porque o conflito existente entre esses dois mundos não é bom para ninguém. Conflito, porque os projetos são divertidos, ao se apoiarem nas tecnologias que permitem interatividade e estimulam a criatividade, enquanto a escola é chata. A formação nos projetos é mais flexível, enquanto a da escola é mais rígida. E a criança e o jovem, diz ele, precisa de tudo isso, do formal e do informal, do rígido e do flexível.

Nesta entrevista, Nelson Pretto ressalta que não tem um modelo para fazer essa aproximação e que nem quer construí-lo a partir da experiência que a Faculdade de Educação desenvolve no município de Irecê, na Bahia. Defende que cada parte busque os meios de aproximação, o que será facilitado por políticas públicas que estimulem as escolas a se abrirem para os projetos. Mas, para isso, diz que é fundamental investir pesado na qualificação dos professores e na sua preparação para compreender e assimilar o modo de ser e pensar da geração alt-tab. O jeito alt-tab de ser, diz ele, é esse de processar múltiplas coisas simultaneamente, levando em frente uma dimensão de construir o pensar que é diferente de tempos atrás.

ARede – Como você vê a relação entre os projetos de inclusão e a escola, a educação formal? É necessário haver uma integração maior?

Nelson Pretto — Eu acho que a integração é absolutamente fundamental. O que acontece é que a escola foi sendo muito desmoralizada ao longo dos últimos anos; só que ela ainda continua sendo um espaço que as pessoas consideram necessário e obrigatório. Então, todos esses projetos, que são importantes do ponto de vista da contribuição à formação dos jovens, como os processos de inclusão sociodigital e mesmo de outras naturezas, como projetos de cultura em várias áreas, têm sempre uma característica fundamental que é obrigar que a criança e o jovem, em outro turno, passe pelo purgatório. E o purgatório é a escola.

Acho que essa distância entre a escola e esses projetos e programas é muito grande. Diante disso, considero fundamental avançarmos em uma forma em que as escola se aproximem desses projetos e os projetos se aproximem das escolas. Ou seja, tentar criar alguns mecanismos de atuação mais integrada, no sentido de favorecer tanto as transformações radicais que a gente precisa na educação, como uma maior qualificação dos projetos na linha de infocentros, telecentros, coisas do tipo.

ARede – Como poderia ser essa aproximação? E, em sua avaliação, por que esses equipamentos públicos, como os projetos de inclusão digital e de cultura, são necessários, se temos as escolas?

Pretto – Em teoria, não seria necessário nada disso. Porque essa é uma mania que nós temos no país: quando uma coisa não funciona, você faz outra, ao lado, para funcionar. Na verdade, o que nós deveríamos ter é uma escola com todos esses equipamentos, com professores qualificados e aberta à sociedade de uma maneira geral, à comunidade. Se tivéssemos esse tipo de escola, não seria preciso estar duplicando, nessa linha de implantar outros projetos, como esses todos que estão por aí. Claro que isso só pode acontecer, se tivermos uma mudança radical na própria escola. Uma grande contribuição que esses projetos todos nos trazem é o fato de eles serem geridos pela própria comunidade, em alguns casos, ou por organizações não-governamentais, que garantem uma certa independência do Estado, principalmente do governo. Então, seria necessário ter mecanismos de democratização da escola, para que a junção desses projetos e programas com as escolas pudesse, efetivamente, se constituir como um espaço de acolhimento de toda a comunidade.

ARede – Enquanto não se modifica o caráter das escolas, você considera positivos esses movimentos, essas iniciativas?

Pretto – Importantíssimos. E são tão importantes, que eu não sei se uma transformação da escola, no futuro, com sua maior abertura à comunidade, será capaz de substituir a presença desses projetos. Porque eles foram se configurando como um espaço muito importante na formação da cidadania. Ao contrário, acho que, cada vez mais, a escola tem que dialogar com as organizações não-governamentais que estão tocando esses belos projetos.

ARede – Como poderia se dar a aproximação entre a escola formal e esses projetos? Abertura das escolas a eles, extensão dos projetos de qualificação de professores para também qualificar educadores dos projetos de inclusão sociodigital, por exemplo?

Pretto - Eu acho que, hoje, o ponto central nosso é a formação de professores. Se tivermos, no país, um programa pesado de formação e valorização de professor, vamos melhorar a formação, a valorização e a recuperação da autonomia do trabalho do professor e da escola. As escolas, tendo mais autonomia e tendo possibilidade de atuarem de forma mais ampla na sociedade, elas próprias vão se integrar e atuar junto com essas organizações que vêm fazendo esse trabalho. Outro ponto importante tem a ver com políticas públicas. Não é possível continuarmos com políticas públicas esquizofrênicas, como as classifico, onde vários agentes atuam na mesma área, completamente desvinculados um do outro. Não falo só de ministérios diferentes, mas de diferentes áreas, dentro de um mesmo ministério. Uma política mais integrada de apoio a todas essas iniciativas é algo muito importante. Eu dou um exemplo muito claro: os belíssimos projetos na linha da cultura digital que o Ministério da Cultura vem desenvolvendo, como os de videogames nacionais, os Pontos de Cultura e todo o movimento Creative Commons teriam que ter mais integração com os programas do Ministério da Educação.

ARede – Voltando à integração entre os projetos de inclusão digital e a escola. Ela poderia começar pelos programas de formação continuada de professores, que estão sendo desenvolvidos, atingindo também os educadores dos projetos de inclusão digital?

Pretto – Nós temos que concentrar esforços na formação continuada dos professores, e promover uma maior interação desses professores melhor qualificados com essas outras experiências. Então, o professor tem que ter uma formação permanente e continuada que lhe habilite a dialogar, permanentemente, com esses movimentos mais coletivos da sociedade. Esse é um dos pontos relevantes.

Outra questão, que até antecede a essa e me preocupa, particularmente, pela minha condição de diretor de uma faculdade de Educação, é uma ênfase na formação inicial do professor. Eu acho que investimos pouco numa modificação radical na formação do professor, porque não existe uma política de mais cuidado com as faculdades de Educação, particularmente nas universidades públicas. Nós formamos uma quantidade enorme de professores que, muitas vezes, vão para o sistema sem conseguir ter a compreensão global desse fenômeno.

ARede – Em que medida os recursos multimídia, que permitem aprender de uma forma mais interativa, são importantes na requalificação dos professores ?

Pretto — Eu não chego nem a achar que são importantes, são fundamentais. Na Universidade Federal da Bahia, nós consideramos essas tecnologias como estruturantes. Essa é a nova forma de ser e de pensar da juventude. E, nesse sentido, o professor tem que se integrar e compreender todos esses processos. E por que isso acontece dessa forma? Acontece dessa forma, porque eu costumo dizer que a meninada tem um jeito alt-tab de ser. O jeito alt-tab de ser é esse de processar múltiplas coisas simultaneamente; então, no momento em que o jovem processa múltiplas coisas simultaneamente, leva em frente uma dimensão de construir o pensar que é diferente de uns tempos atrás.

E essa diferença tem uma relação direta com esses elementos tecnológicos do mundo contemporâneo. Apropriar-se dessas tecnologias como uma mera ferramenta, do meu ponto de vista, é jogar dinheiro fora. Colocar computador, recursos multimídia e não sei mais o quê para a mesma educação tradicional, de consumo de informações, é um equívoco. Ou nós trazemos essas tecnologias com a perspectiva de modificar a forma de como se ensina e de como se apreende — e isso significa, fundamentalmente, entender a interatividade e a possibilidade da interatividade como sendo o grande elemento modificador dessas relações —, ou vamos continuar formando cidadãos que são meros consumidores de informações. O que nós precisamos— e essa é a chave do que eu defendo — é formar cidadãos produtores de cultura e de conhecimento. E, para isso, a tecnologia é fascinante.

Com o software livre, com possibilidade de rádio web, de edição em máquinas digitais, cada leitor da revista, que está nos lendo em qualquer parte do país, pode montar uma TV, uma rádio, uma revista, um jornal, um panfleto, gravar discos. É isso que precisa acontecer. Nós não temos que reagir à tecnologia, nem rejeitá-la, para rejeitar essa sociedade que quer nos impor uma visão única de mundo. Temos que reagir produzindo, passando por cima, no sentido de superar — claro que não é fácil concorrer com a indústria hollywoodiana –, por meio desse esforço de autoria que o professor e a escola têm que exercitar.

ARede – No seu entendimento, os projetos de inclusão digital e outros, como os Pontos de Cultura, completam a formação do jovem? Em que medida fazem a diferença?

Pretto – Primeiro, temos que qualificar as ações dos telecentros, infocentros, de qualquer dessas experiências. Aquela que transforma o telecentro ou infocentro numa mera escola de informática, no meu ponto vista, não faz nada, ou seja, reproduz a mesma lógica da escola, só que com computador. O telecentro que tem um trabalho de formação mais ampla, em alguns momentos, pode até entrar em conflito com a escola. Esse é o nosso desafio, porque o conhecimento sistematizado da escola não vai ser jogado fora, e não é para ser jogada fora.

ARede – Quando você fala conflito, está se referindo à diferença de abordagem?

Pretto – Não é só a abordagem. É o universo todo que está sendo trabalhado ali, os conteúdos. O lado de cá, da escola, é chato, o lado de lá, dos projetos, é alegre; o lado de cá, da escola, é mais rígido, o lado de lá, dos projetos, é informal. Enquanto nós tivermos esses conflitos, entre esses dois universos, digamos assim, acho que os dois perdem, porque a formação da meninada e dos jovens tem que passar por tudo isso, pelo flexível, pelo rígido, pelo caótico, mas pelo sistematizador, pelo formal e pelo informal. Então, por isso, acho que o nosso grande desafio é aproximar essas experiências, que acontecem fora da escola, com a escola.

ARede – De novo, como fazer isso?

Pretto – Nós temos no município de Irecê, na Bahia, uma experiência de tentar unir esses programas à escola. Lá, no campus da UFBa, temos, há dois anos e meio, um programa de formação de professores e, nesse mesmo espaço universitário, tem um Tabuleiro Digital, que é o nosso infocentro, tem telecentro do Banco do Brasil e um Ponto de Cultura. Tudo no mesmo espaço físico, tudo na área do campus. Ou seja, lá dentro, os professores vão ter aula; lá dentro, os meninos vão para os telecentros; lá dentro, os professores fazem programas de rádios junto com os alunos deles das escolas. Ou seja, há um complexo de formação que inclui todos os elementos. E isso trouxe para nós, como pano de fundo, a idéia de um currículo que, na ausência de um nome melhor, eu chamo de currículo hipertextual. Ou seja, uma proposta curricular de formação dos professores, nesse município, que contempla esse movimento multifacetado de diversas ações e intervenções. É uma experiência muito rica, que tem vivido, na prática, aquilo que as políticas públicas não têm promovido, que é a integração dos diversos projetos.

Não acredito em modelo único. Acho que cada comunidade, cada grupo, vai ter que identificar de que forma vai se aproximar da escola, e vice-versa. E, principalmente, as políticas públicas municipais, estaduais e federais têm que favorecer isso, porque, muitas vezes, a rigidez está na escola. Então, os professores têm que ter mais autonomia para poder, também, estabelecer esses links com os projetos de inclusão sociodigital e de cultura.

ARede – Você tem defendido o software livre como fundamental na educação, pelo seu caráter de compartilhamento e colaboração. Também considera que a sua adoção é necessária nos projetos de inclusão digital?

Pretto – Sim, por várias razões, mas a principal delas é o fato de a lógica do software livre ser essa idéia de colaboração. Educação que não pensar em colaboração, em generosidade, não é educação. Então, ou nós recuperamos essa dimensão de generosidade, de colaboração, de trabalho conjunto que a educação precisa ter – e, aí, o software livre é um exemplo fenomenal de produção colaborativa —, ou nós não conseguimos avançar nos programas nem educacionais, nem de inclusão. Há um segundo aspecto, na lógica do software livre, que me agrada muito e acho fundamental: a perspectiva dessa dimensão de colaboração, acompanhada por um estimulo à atuação, como autor, de cada elemento do conjunto. É claro que, para aqueles que são da informática, há uma série de outras questões relevantes no software livre. Considero fundamental que nós, usuários, passemos a usar mais o software livre, num primeiro momento, para ampliar a base e as oportunidades. Para o usuário, é uma questão de autonomia e independência. Associado a isso, além dos benefícios para o país do ponto de vista de custo, tem toda a discussão sobre democratização do processo da informação, sobre Creative Commons, sobre todas essas questões interrelacionais à questão da liberdade.

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-- NelsonPretto - 25 Jul 2006


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