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A Tarde - Informática 28/12/2005 - pag. 02

Cidadania

Inclusão sociodigital

Nelson Pretto*

Atualmente, fala-se muito em inclusão digital. Isso é muito mais do que ter acesso às máquinas. É o exercício da cidadania na interação com o mundo da informação e da comunicação. As máquinas e a conexão são condições necessárias, claro, mas não são suficientes. As políticas públicas brasileiras precisam estar voltadas para esses dois aspectos de um único processo.

Vale lembrar que estamos, há quatro anos, sem usar os mais de R$ 4 bilhões do Fust (Fundo de Universalização dos Serviços das Telecomunicações) por conta de imbróglios jurídicos que refletem a luta de interesses do grande capital internacional e que só beneficiam a política econômica apoiada pelo FMI.

Quero, aqui, salientar alguns importantes movimentos, sendo um deles, sem dúvida, a definição do governo em adotar softwares não-proprietários na administração federal. Outras ações estão em andamento em diferentes instâncias governamentais e creio que merece destaque a ação do MEC em lançar edital (Proinfo) para compra de computadores com software livre, o que era praticamente impensável num passado bem recente.

No Ministério da Cultura, foi criada uma assessoria especial para a cultura digital e lançado um corajoso edital de apoio à produção de videogames nacionais, com software livre, algo de grande importância para a educação, a cultura, a ciência e a tecnologia nacional, se constituindo num passo marcante na valorização da nossa cultura, a digital ou a analógica!

Também no âmbito do Ministério da Cultura, estamos vendo a implantação dos pontos de cultura, espaços para a produção multimídia digital, com forte interação com os sistemas de educação, como estamos fazendo no município de Irecê, na Bahia, com o Ciberparque Anísio Teixeira, um projeto que inclui os tabuleiros digitais, apoiados pela Petrobras, um estúdio multimídia para produção de sons e imagens a partir da movimentação da comunidade local e um programa de formação de professores comandado pela Faculdade de Educação da Ufba.

Para a educação, libertar-se dos softwares proprietários é um grande desafio, já que a possibilidade de independência no acesso aos códigos fontes está intimamente associada a inúmeras outras possibilidades como a independência de fornecedores centralizados que dominam o mercado, além da ampliação de uma rede colaborativa, dimensão básica para a educação.

A montagem de uma agenda afirmativa para a nossa inserção nesse projeto de sociedade é muito importante e, para tanto, é necessária a ampliação do acesso dos professores a esse mundo tecnológico. Essa inserção precisa ter como horizonte a preparação de cidadãos plenos para a interação nesse universo de informação e comunicação, porque é preciso estar atentos para que não se crie mais uma desigualdade nesse País já tão desigual.

No caso específico da internet, os dados são ainda muito preocupantes, apesar de já constatarmos uma grande modificação em termos de acesso. Sabemos que já são mais de 25 milhões os jovens maiores de 16 anos com acesso à internet, mesmo sendo pequeno o número de municípios com provedores próprios de internet (6%), o que nos leva a concluir que esse jovens conectados são majoritariamente urbanos.

Além disso, precisamos qualificar essa chamada inclusão, não reduzindo-a ao fornecimento de aulinhas (desculpem a minha ira!) de planilhas eletrônicas ou processadores de texto e, o pior, para treiná-los no uso de software proprietário, num verdadeiro adestramento que, no fundo, causa dependência, como em tudo que fazemos sem um apurado senso crítico.

Já se fala no analfabeto digital, aquele que não possui qualquer familiaridade com o mundo da informática, e tal designação expressa a importância que cada vez mais é atribuída ao computador e às suas múltiplas formas de uso, a ponto de se estabelecer uma analogia com a incapacidade de ler e escrever, carência essa que nem de longe pode ser tolerada. Também já é quase consenso que a exclusão digital é óbice para que se alcance a cidadania plena.

Estamos convencidos de que a escola contemporânea, e junto com ela todos os espaços de aprendizagem, qualquer que seja o nível, não pode ficar indiferente e se furtar ao exame das possibilidades de uso do computador e da internet no espaço pedagógico, enquanto elemento estruturante de novos processos educacionais, trazendo para o cenário da escola a formação de produtores de proposições, de culturas e conhecimentos e não de simples consumidores de informações.

Para nós, falar em inclusão é articular temas como acesso às máquinas, conexão, software livre, universalização de serviços de comunicação, cidadania plena e transformação da escola em espaço de produção de cultura, em cada contexto na qual ela se insere. Ou seja, falamos de inclusão sociodigital.

E a educação não pode perder essa oportunidade. Por isso, conclamamos a todos, professores, alunos e comunidade em geral, a entrar nessa luta. O País não pode esperar mais.

Nelson Pretto é diretor da Faculdade de Educação da Ufba (www.pretto.info)

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Replicado no Jornal da Ciência Hoje

-- NelsonPretto - 05 Jan 2006


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