Projeto Universidade Nova prevê mudanças nas instituições federais

Mudanças na forma de ingressar nas universidades federais e alterações na estrutura curricular de cursos superiores. Estes são alguns dos objetivos idealizados pelo Projeto Universidade Nova, discutido por 193 representantes de Instituições Federais de Ensino Superior do Brasil (Ifes) e do Ministério da Educação (MEC) no 1.º Seminário Nacional da Universidade Nova - Reestruturação da Arquitetura Acadêmica da Educação Superior no Brasil, realizado no início de dezembro, em Salvador.

A proposta visa, com uma reestruturação radical e profunda, a formação profissional e de pós-graduação, em especial, como define o reitor da Universidade Federal da Bahia, Naomar Almeida Filho, um dos idealizadores do Projeto. “O Brasil mantém um modelo de formação do século XIX. O mundo inteirou avançou e nós não”, justifica Almeida, em entrevista ao Unaberta.

Uma das reestruturações a que Almeida se refere diz respeito à forma de ingresso na universidade. O vestibular, método atual de seleção, seria abolido e trocado por outro processo. O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) está entre as alternativas possíveis de substituição. Mas, segundo Almeida, ainda não há nenhuma definição.

Outra modificação ocorreria na estrutura curricular, a partir da implantação dos Bacharelados Interdisciplinares (BIs). Os Bacharelados são voltados para um âmbito mais geral do ensino, e levariam cerca de três anos. Eles seriam aplicados em áreas como artes, humanidades e saúde, e deveriam ser freqüentados pelos alunos antes do início de um curso profissionalizante e específico, como Medicina ou Engenharia, por exemplo.

Para Almeida, o BI seria um pré-requisito para a profissionalização, permitindo aos estudantes uma formação mais abrangente. “Os profissionais serão melhores se tiverem conhecimentos mais amplos. Por isso, [o curso] é chamado de Bacharelado Interdisciplinar”, explica o reitor. “O mundo é cada vez mais interdisciplinar. A universidade também tá precisando ser, né”, completa.

A discussão da Universidade Nova também é considerada importante para a instituição que representa as universidades públicas brasileiras, a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior ( Andifes).

Em entrevista ao Unaberta, o presidente da Associação e reitor da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), Paulo Speller, classifica a proposta como uma iniciativa interessante. Para ele, as mudanças previstas pela Universidade Nova, como a questão do vestibular, são necessárias. Segundo Speller, o método atual de seleção é excludente e, por isso, é preciso expandir a universidade pública para, nela, incluir jovens e adultos.

Para o reitor da UFSC, Lúcio Botelho, a discussão também deve ser feita no âmbito da universidade. “Acho que é uma discussão pra mexer com a gente, pra fazer a gente pensar, pra tirar a gente da inércia desse pacotinho que é disciplina, departamento, etc. Esse é o grande mérito da proposta e acho que a gente tem que incentivar a discussão a partir disso”, aponta Botelho.

Problemática

A implantação da Universidade Nova dentro das instituições públicas de ensino superior também levanta algumas questões polêmicas. Um dos problemas apontados diz respeito ao término dos BIs. O estudante, com o diploma em mãos, ainda não teria condições de entrar no mercado de trabalho, especialmente nas profissões que exigem formação específica, como é o caso de Engenharia, Medicina e Direito.

O reitor da Bahia, Naomar Almeida Filho, rebate esta questão, justificando que quase 60% dos formados exercem atividades fora de suas áreas. "A formação na universidade não está sincronizada com a realidade", explica. Mas para o reitor Lúcio Botelho, este é somente um dado empírico. "Quem é que não trabalha na área que forma? Quem não trabalha? São áreas em que a demanda social é menor. Você pode criar o problema de ter um conjunto de pessoas que não vão ter profissão definida. E aí? O grande medo que a gente tem é que, como entra todo mundo nesse genérico, quando chega lá no fim, todo mundo vai querer medicina", questiona Botelho.

Outro problema seria quanto à garantia, inexistente, do estudante do Bacharelado conseguir vaga nos cursos posteriores, de profissionalização. O próprio presidente da Andifes, Paulo Speller, confirma que existe este receio, especialmente em relação ao processo de seleção. "Vai adiar um problema para depois do Bacharelado", pondera.

O processo de seleção, que pode sofrer alterações, também é uma das questões mais polêmicas dentro do projeto. Com o fim do vestibular e a implantação de um método mais igualitário e a nível nacional, o número de alunos, dentro das universidades, sofreria um aumento. Este crescimento poderia provocar uma perda no nível de ensino na universidade. Para Speller, no entanto, com a expansão que deve ocorrer dentro das instituições, os cursos podem até melhorar, caso haja material e pessoal de qualidade.

Em relação à possível substituição do vestibular pelo Enem, o reitor Lúcio Botelho não acredita que a discussão seja madura. "Porque o Enem parece ser uma fórmula mágica, de repente o Enem pode se transformar em outra vala comum como o vestibular”, aponta.

Reforma Universitária

A discussão a respeito da Universidade Nova surge junto com o debate sobre a Reforma Universitária. Mas, segundo Almeida, o Projeto não aparece como uma alternativa à proposta do Governo. "[O Universidade Nova] é a verdadeira reforma universitária para os que a estão propondo. A proposta que está no Governo não atinge aspectos acadêmicos", aponta. Para ele, "uma reforma que não atinge a estrutura curricular não é uma reforma universitária".

De acordo com Speller, a Universidade Nova vem para complementar a proposta governamental, dependendo de como ela sair. Para ele, a Reforma do Congresso é mais voltada ao financiamento global e à autonomia. "A proposta da Universidade Nova visa novas formas de organização acadêmica. São problemáticas que se complementam", explica.

Para o reitor Lúcio Botelho, a Universidade Nova é uma discussão bem-vinda, que está ligada, de alguma forma, à proposta do Governo. "A Andifes encara a proposta como uma das propostas de discussão na grande discussão que surge a partir de uma certa rejeição do projeto de Reforma Universitária que está no Congresso", afirma Botelho.

Apoio

No total, doze universidades federais encabeçam a discussão do Projeto. Entre elas estão as Universidades Federais da Bahia (UFBA), do Ceará (UFC), do Rio de Janeiro (UFRJ) e de Brasília (UnB).

De acordo com Botelho, a UFSC ainda não tem uma posição concreta. “A gente não discutiu internamente na universidade. Claro que eu sou a favor da discussão da proposta. A favor da proposta eu não sou, eu sou a favor de que a proposta venha a ser discutida”, explica.

Apesar de nem todas as instituições terem debatido a questão, Naomar acredita que o projeto está avançando bem. Mesmo assim, ele também frisa a necessidade do esclarecimento. “É preciso discutir de forma sincronizada, sem nenhuma pressa e com muito cuidado. É uma proposta muito radical”.

O projeto Universidade Nova deve voltar a ser debatido oficialmente em um segundo seminário, que será realizado entre março e abril de 2007, na Universidade de Brasília (UnB).