O que eu vou ser quando crescer?
Altos índices de evasão no ensino superior revelam que, por terem de decidir muito cedo pela profissão, jovens nem sempre fazem a opção mais acertada, e terminam por se decepcionar com o curso de graduação. Para tentar mudar esse quadro, entra em cena o projeto ‘Universidade Nova’, que permite ao estudante cursar três ciclos básicos antes do ato da escolha profissional. Será que eu escolhi a profissão certa? O que deveria ter sido levado em conta na hora de tomar essa decisão? Os meus interesses, as expectativas dos que estão ao meu redor, a carreira dos pais ou minhas habilidades específicas? Estas são apenas algumas das perguntas feitas por alunos do ensino médio após passarem no funil do vestibular.
Apesar da felicidade de ingressar no ensino superior, dúvida, ansiedade e medo são alguns dos sentimentos que se confundem na cabeça de jovens estudantes que pisarão pela primeira vez numa universidade nos próximos dias. E toda essa angústia tem um motivo. Nem sempre a escolha de uma profissão que deve ser exercida para o resto da vida é feita de maneira correta.
De acordo com os dados do Ministério da Educação (MEC), os índices de evasão nos cursos superiores têm sido alarmantes. 'Muita gente desiste. A evasão no ensino superior é muito acima do que poderia ser considerado razoável. Nossos cálculos, para as instituições federais, é de cerca de 35%. Anualmente, se formam entre 60% e 65% dos alunos que ingressaram nas universidades. Mas essa taxa tem várias explicações. Uma das principais é que a grade curricular ainda é muito rígida, o que não permite ao jovem fazer correções de rumo, mudar escolhas. Desta forma, ele acaba desistindo no meio do caminho', explica o secretário de Educação Superior do MEC, Manuel Palácios.
Para tentar mudar esta situação, o governo federal acena com uma nova alternativa para os alunos. O projeto 'Universidade Nova', já implantado em algumas universidades federais, como a Universidade Federal da Bahia (Ufba), por exemplo, prevê que o universitário, antes de decidir-se por uma carreira definitiva, cursará três ciclos básicos, que orientarão a sua escolha final. Em um manifesto lançado em dezembro do ano passado, vários reitores de universidades federais do país apoiaram a proposta do governo. 'O modelo de universidade atualmente vigente no Brasil atingiu alto grau de obsolescência pedagógica, institucional, política e social. Este modelo revela baixa eficiência e resolutividade, o que contra-indica sua expansão e consolidação neste importante momento da história brasileira', diz um dos trechos do manifesto.
Escolha da carreira é feita muito cedo
Entre alguns dos motivos das desistências dos alunos, estão a falta de conhecimento sobre a profissão escolhida e a idade dos vestibulandos - a média dos inscritos em um dos vestibulares mais concorridos do estado do Rio, o da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), foi de 19 anos e 11 meses em 2006. É o que garante a psicóloga e supervisora do Setor de Orientação Vocacional da Uerj, Mariene Campos Cardoso. 'Essa escolha é feita muito cedo e os estudantes não estão preparados. São muitas opções e, na maioria das vezes, o jovem entra na faculdade sem ter idéia e conhecimento da escolha feita. Eles não procuram informação, não trabalham a parte de auto-conhecimento, e podem até sofrer a influência da família ou de algum conhecido. Fazem a escolha sem terem certeza do que querem realmente', diz a psicóloga.
Para ela, os pais devem procurar orientar seus filhos em busca da melhor escolha, mas não a ponto de influenciar os jovens. 'Se ele procurar acompanhar, orientar, sem realmente interferir no processo, será muito positivo para o filho. Muitas vezes o pai diz que está deixando o jovem decidir mas, ao mesmo tempo, diz que ficaria muito feliz se o filho seguisse sua profissão. Assim ele também está influenciando de alguma forma e pode acabar mudando o pensamento do estudante', alerta Mariene.
Ela destaca os benefícios da orientação vocacional durante o processo de escolha da carreira, mas chama a atenção para a correta aplicação de testes. 'Antigamente nós trabalhávamos com teste, hoje trabalhamos com um processo chamado de Terapia Breve Focal. Isso quer dizer que o foco está no momento da escolha. É uma abordagem clínica, onde você utiliza recursos, sem aplicar nenhum teste. O importante não é o material, e sim trabalhar a relação deste material com o jovem porque, senão, este teste pode ser direcionado. Às vezes o jovem quer seguir uma direção e começa a marcar as opções que têm a ver com a escolha dele', alega a psicóloga.
Mariene ressalta que, para facilitar a decisão dos jovens, a escola tem um papel fundamental. 'A escola pode facilitar o processo, levando profissionais de diversas áreas para conversar com os estudantes. Eles ficam perdidos com uma série muito grande de alternativas, mudanças que ocorrem no mercado a todo momento e pela insegurança que sentem. Na maioria das vezes, o jovem só vê o lado positivo daquela carreira, esquece de ver o lado negativo. Tudo deve ser observado e analisado', avisa, lembrando que não é só na hora de escolher a profissão que uma orientação é necessária. 'Isso é importante não só na hora da escolha. Muitas vezes o jovem já está cursando a universidade, mas está insatisfeito com o curso e precisa rever essa escolha. Chamamos este processo de reorientação profissional. O medo de largar tudo e tomar uma nova decisão é difícil. Muitas vezes não é preciso nem largar a profissão, mas trocar a área de atuação', diz Mariene.
'Instituições devem tentar auxiliar os estudantes'
Presenciando o dia-a-dia dos vestibulandos e a angústia na hora de optar por uma carreira, o diretor da unidade Centro do Curso Miguel Couto, Antonio Donizeti, também cita a pouca idade dos vestibulandos e a influência dos pais como fatores que dificultam a escolha dos jovens. 'Os pais podem influenciar na decisão dos alunos. Percebemos alunos que já estão decididos na hora de fazer a matrícula e também durante as aulas, mas também outros indecisos. Vemos que os estudantes estão terminando o ensino médio cada vez mais cedo, alguns com 16 e 17 anos, e fazendo o vestibular por uma simples questão de formalidade, sem estarem decididos de verdade', ressalta Donizeti, que lembra da importância da orientação dos cursos neste momento.
'Cabe à coordenação dos cursos e aos professores orientar esses alunos quanto à definição da carreira, através das aulas e matérias. Os estudantes têm que, através dessa ajuda, procurar o próprio caminho. Muitas vezes, vemos alunos que se inspiram nos próprios professores. Isso acontece nas áreas Biomédicas, Tecnológicas e Humanas', diz o dirigente, que não acredita em testes vocacionais. 'Creio que o mundo corporativo é mais importante para ajudar o estudante do que esses testes. Esse mundo é o meio em que o aluno vive, a escola, os vizinhos, amigos e professores', explica Donizeti.
Número de concluintes é menor do que o de ingressantes - O último Censo da Educação Superior realizado pelo MEC, e que traz dados relativos ao ano de 2005, mostra uma grande disparidade entre o número dos ingressantes nas graduações presenciais e o número de concluintes. Naquele ano, 1.678.088 alunos entraram em uma instituição de ensino superior. Já o número de estudantes que já cursavam uma determinada graduação e conseguiram concluí-la em 2005 foi bem menor, 717.858.
De acordo com o coordenador do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade Federal Fluminense (UFF), Afonso Madureira, é possível observar de forma prática os dados revelados no estudo durante o período da universidade. 'Os números demonstram que o abandono de curso é bem grande. Isso acontece por diversas questões, mas também pela falta de afinidade com o curso escolhido. Na UFF, temos diversos casos de estudantes que entram na universidade, acompanham as aulas por cerca de dois anos e depois resolvem largar tudo por não se identificarem', conta o aluno.
Estatísticas realizadas pela universidade revelam que o ano de nascimento dos que prestam vestibular para a instituição, varia entre 1985 e 1986, com uma média de idade de 20 anos. 'A UFF possui o Departamento de Ações Comunitárias (DAC), setor que orienta aqueles que estão fazendo vestibular para escolherem a melhor opção. Os jovens estão terminando o período escolar cada vez mais cedo e, por pressão da família e do próprio mercado de trabalho, acabam se precipitando e prestando vestibular', acredita o universitário, que sugere mudanças ainda mais cedo, durante o ensino médio. 'Defendo um ensino médio de quatro anos, e não de três como é feito hoje em dia. É preciso que a escola também auxilie nessa preparação do aluno', conclui o estudante.
Em defesa de uma 'Universidade Nova'
Reduzir a evasão do ensino superior. Essa é a principal proposta do projeto de reforma acadêmica chamado de 'Universidade Nova'. O projeto, que foi apresentado pela UFBA e está sendo difundido pelo reitor Naomar Monteiro de Almeida Filho, ganhou defensores no MEC. De acordo com o novo modelo, o regime do ensino superior passaria a ter três ciclos.
No primeiro, todos os estudantes ingressariam em um bacharelado interdisciplinar, que duraria três anos. Ele daria uma formação geral, independente da profissão que o jovem quiser seguir. Os alunos fariam estudos clássicos de História, Filosofia, Ética, Lógica, Pensamento Matemático, Cidadania, Política, Saúde e Artes. O universitário também poderia antecipar o conteúdo da formação básica da área profissional que pretende cursar.
A conclusão desta etapa já daria ao estudante um diploma universitário, como bacharel em Artes, Ciências, Humanidades ou Tecnologias. 'Essa proposta visa dar mais flexibilidade ao estudante em sua formação. É uma falácia achar que a educação profissional é o melhor caminho para o mercado de trabalho. Mesmo o aluno que completar apenas o primeiro ciclo da ‘Universidade Nova’ terá uma enorme variedade de opções no mercado de trabalho, pois ele terá uma formação mais geral que o deixará apto a atuar em diversas modalidades', justifica o secretário de Educação Superior do MEC, Manuel Palácios.
Pela proposta, quem quisesse continuar os estudos depois do bacharelado interdisciplinar passaria por algum tipo de seleção interna para o mestrado acadêmico, a licenciatura ou a formação profissional de curta, média ou longa duração. Nesse segundo ciclo, também com duração média de três anos, os estudantes realizariam atividades práticas de sua profissão. A última etapa da 'Universidade Nova' seria uma espécie de pós-graduação.
Com uma concepção tão inovadora, os idealizadores do projeto afirmam que o vestibular não teria mais lugar nas universidades. O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), por exemplo, é visto como uma alternativa possível de seleção. 'O principal da proposta é que o estudante terá flexibilidade para estudar na faculdade aquilo que ele acredita que é o melhor para a sua carreira. Ele poderá combinar diferentes áreas de formação, além de ter mobilidade entre as universidades. Hoje, se você desiste de um curso na UFRJ e quer fazer outro, tem que prestar vestibular novamente. Com a ‘Universidade Nova’, haverá mobilidade entre cursos e entre as instituições de ensino', explica Palácios.