Preconceito Racial
No inicio do ano de 2005, a direção da escola
foi procurada por uma senhora aparentando seus 38 anos
embriagada, querendo uma vaga para colocar a sua filha
de 10 anos do grupo 09 (3ª serie).Segundo a mãe já não
agüentava mais ver a sua filha apanhando e batendo ao
mesmo tempo nos colegas, agressiva com o professor e
direção, saindo sempre da escola no período da aula
chegando em casa chorando e não querendo voltar para
escola. No momento fiquei parada observando toda a
conversa da mãe que quase não se agüentava de pé. A
aluna toda desarrumada, despenteada,.Tinha consciência
que seria mais um problema que iríamos enfrentar, mas
não podia jamais deixar aquela criança fora da escola
só porque a mãe estava naquela condição, e por conta
das informações que acabara de passar. falei para a
Secretária que estava a me olhar que fizesse a
matrícula, e seja o que Deus quiser! Logo pensei em
colocar com a professora Vera Lúcia Vasconcelos no
turno matutino.No primeiro dia de aula já começaram os
problemas! A mãe embriagada veio trazer a menina na
escola e os colegas já ficaram observando aquela cena
da mesma recomendando a filha para não brigar nem
bater e nem xingar os colegas e professor. A menina
ficou em um canto como se fosse um bichinho acuado sem
querer sair, causando assim o primeiro tumulto junto
aos colegas e dando bastante trabalho para a
professora e direção. Com o passar dos dias os
problemas foram aumentando, principalmente no que diz
respeito à discriminação por parte da maioria dos
colegas, da turma dela como das outras turmas. Um
fato que nos chamou bastante atenção foi no momento em
que a professora estava preparando para começar uma
aula de matemática, e neste momento a professora
presencia um fato impressionante de preconceito
racial com a colega . Os colegas começaram a chamar de
negrinha, assolam, relacionando-a a propaganda da Rede
Globo, negrinha do cabelo de bucha, batiam e
empurravam-na de um lado para o outro como se a mesma
fosse um objeto, puxavam o cabelo, durante o intervalo
e jogava dentro do banheiro trancando a porta. A
coitada ficava desesperada e a única chance de se
defender era agredindo fisicamente e violentamente os
colegas. Outro fato que veio a contribuir para o
aumento da exclusão, foi à mesma começar a gostar de
um colega loiro, de olhos azuis, a ponto de quando se
aproximar dele ele empurrava e a chamava de tribufu,
urubu, e neste momento ela ficava descontrolada e
muitas vezes se atirava no chão aos prantos ficando
assim, difícil de controlar.
Durante a aula alguns alunos começaram a
tratá-la de forma preconceituosa. Ela pegou o
apagador impensadamente atirou contra a cabeça de um
dos colegas ,chegando a furar a cabeça do mesmo.
Muitas vezes tínhamos que correr apara socorrê-la das
agressões físicas e verbais dos colegas. Começamos a
nos questionar: -Como resolver esta situação? Com a
família não podíamos contar. O pai e a mãe vivem
embriagados. As duas irmãs que tem apresentam
desequilíbrio emocional! Diante de todos estes fatos
aumentava-nos a angústia de ver tamanho sofrimento e
preconceito dessa criança que não tinha pedido para
nascer.
As ações
Começamos pedindo ajuda as meninas por ser do
mesmo sexo para que as mesmas procurassem estar mais
próxima dela. Chamassem para brincar, conversar e
ensinar para ela brincadeiras que estivesse mais
voltada para sua idade. As meninas começaram, mas ela
por não ter costume com certas brincadeiras acabava
afastando as colegas de perto dela. Estávamos sempre
pedindo ajuda aos colegas. Que ensinasse brincadeiras
diferentes, que ouvissem as dela, pois o linguajar é
incompreensível. A fala está no nível da linguagem de
uma criança de três a quatro anos de idade.A
professora Vera ao presenciar mais uma vez uma cena
agressiva contra a mesma resolveu tirá-la da sala
para ter uma conversa com os demais sobre o que vem
acontecendo com a aluna. Em vista que a mesma vem
trabalhando o projeto “Cidadão em Ação.” Naquele
momento a professora retoma o projeto e questiona com
todos:
-Que atitude vocês tomariam se presenciasse o que
vimos hoje aqui em relação a está aluna?
-Vocês já imaginaram como ela deve estar se sentido
nesse exato momento?
-Vocês acreditam que uma cor, uma situação financeira
rica ou pobre marca o ser humano a ponto de ser tão
descriminado?
-Alguém sabe me dizer o que é discriminação? Isso é
chamado de preconceito, já ouviram falar? Por que ao
invés de maltratá-la desse jeito, não procuram
ajuda-la? Já que sabemos que os pais vivem embriagados
e a maltratam?
A conversa tomou outro rumo, sentimos no olhar
e na expressão dos rostos. E muito se prontificaram
a ajudá-la. No intervalo passamos a observá-la melhor
e tentando aproximar os colegas da mesma nas
brincadeiras etc. Ás vezes percebíamos o isolamento
pelo qual a criança passava. Percebemos hoje a grande
mudança de comportamento por parte dos colegas como um
todo. Isso fez com que a criança começasse a se
envolver nas atividades e eventos da escola com
bastante segurança sentido-se respeitada pelos colegas
de sala e também da escola como um todo. Tamanha foi a
minha satisfação quando numa brincadeira de amigo
secreto feito no dia do amigo, na qual seria dado um
cartão feito pelo próprio aluno. Fui convidada, e para
a minha surpresa a minha amiga secreta foi à aluna
citada. Sei que o carinho que tenho por ela no momento
deve ser igual ao carinho dado a todos os alunos, mas
devido a essa situação a ocasião passou a ser
especial. Quando entreguei o cartão ela ficou muito
feliz retribuindo meu sentimento também.
A atividade me fez refletir com mais
intensidade sobre os temas citados acima, reflexo de
uma sociedade contemporânea marcada em relação aos
preconceitos raciais e sexuais. Por esta constatação
tive a idéia e compartilhei com os professores de
acrescentar no currículo da escola estes temas para
serem desenvolvido dentro do projeto escolar, e que
abranja todos os grupos.
Fátima Coutinho
blog de Fátima