Tempos em Recife
O primeiro e mais longo dos três períodos da vida de Paulo Freire, entre 1921 a 1964, teve Recife e Jaboatão como cenários. Anos de infância e adolescência, de formação escolar e consolidação das raízes afetivas e intelectuais de seu pensamento.
Filho de Joaquim Temístocles Freire, capitão da Polícia Militar de Pernambuco e de Edeltrudes Neves Freire, Dona Tudinha, Paulo teve uma irmã, Stela, e dois irmãos, Armando e Temístocles. Sobre amãe Paulo dizia: "Ela era essa coisa eufêmica que se chama prendas domésticas (...). Era uma bordadeira excelente!” (Freire. P. e Guimarães, S., 1982, p. 17). Conforme depoimento de Maria Adozinda Monteiro Costa, educadora e prima de Paulo Freire, que conviveu com a família por vários anos, Dona Tudinha era uma pessoa boníssima, cuja conduta era pautada pela mansidão.
A irmã Stela foi professora primária do Estado. Armando, funcionário da Prefeitura da Cidade do Recife, abandonou os estudos aos 18 anos, não chegou a concluir o curso ginasial. Temístocles entrou para o Exército. Aos dois, Paulo agradece emocionado, em uma de suas entrevistas a Edson Passetti (Passetti, E. 1998, p. 35), pois começaram a trabalhar muito jovens, para ajudar na manutenção da casa e possibilitar que Paulo continuasse estudando.
Guardou da infância lembranças fortes que o acompanharam por toda a vida e que relata em várias de suas obras. “Minha alfabetização”, declarou à Revista Nova Escola, em dezembro de 1994, “não me foi nada enfadonha, porque partiu de palavras e frases ligadas à minha experiência, escritas com gravetos no chão de terra do quintal”. De modo ainda mais incisivo, escreveu em A importância do Ato de Ler (Freire, P. 1982 p.16): “Fui alfabetizado no chão do quintal de minha casa, à sombra das mangueiras, com palavras do meu mundo, não do mundo maior dos meus pais. O chão foi o meu quadro-negro; gravetos, o meu giz.”. Em Sobre Educação (Freire, P. e Guimarães, S. 1982 p.14-15): “Você veja como isso me marcou, anos depois. Já homem, eu proponho isso! Ao nível da alfabetização de adultos, por exemplo.”
Na mesma entrevista à Nova Escola (parcialmente transcrita em Paulo Freire, uma biobibliografia, p.30), Paulo fala com ternura de Eunice Vasconcelos, sua primeira professora: “jovenzinha de seus 16, 17 anos (...) ela me fez o primeiro chamamento com relação a uma indiscutível amorosidade que eu tenho hoje, e desde há muito tempo, pelos problemas da linguagem e os da linguagem brasileira, a chamada língua portuguesa do Brasil.”
Difícil para toda a família foi deixar a casa da Estrada do Encanamento, em abril de 1932. Em vários depoimentos e entrevistas, Paulo recorda com amor a casa, o quintal, as duas mangueiras, próximas o bastante para que seu pai armasse uma rede a sua sombra. Lembra que até os sete anos, aproximadamente, o bairro onde havia nascido “era iluminado por lampiões (...) Eu costumava acompanhar, do portão de minha casa, de longe, a figura magra do acendedor de lampiões de minha rua.” (Freire, P. 1982, p.15). Esclarece a Passetti (1992, p. 32): a casa da Estrada do Encanamento, 724, pertencia ao “tio Rodovalho”, comerciante no Rio de Janeiro, que a deixara com a mãe dele, avó de Paulo: “vivíamos todos na casa de minha avó”. “A crise de 1929 afetou o comércio” e o Rodovalho, até então bem sucedido, não encontrou outro caminho senão a concordata, seguindo-se a hipoteca e a perda da casa. Sem recursos para alugar outra casa no Recife, a família foi morar em Jaboatão.
Permaneceria em Jaboatão durante nove anos, de abril de 1932 a maio de 1941. No Recife conservaram, como símbolos de um status provisoriamente perdido, o piano alemão, em que sua tia Lourdes tocava Chopin, Beethoven, Mozart... e a gravata de seu pai.
De Jaboatão ficaram as lembranças das travessuras com seu irmão Temístocles e com os novos companheiros ali descobertos, “de outra classe”, como indicava o piano: Dourado, Reginaldo, Baixa, Toinho Morango, Gerson Macaco... De Jaboatão mais fortes foram as lembranças da morte do seu pai, em 1934, e das privações antes desconhecidas: “minha compreensão da fome não é dicionária”, escreveria em À Sombra desta Mangueira, (Freire, P. 1995, p. 31).
Em Jaboatão concluiu o curso primário. Mas, na época, não havia como prosseguir sua formação escolar, a não ser no Recife. Iniciou o curso ginasial no Colégio 14 de Julho, no bairro de São José. Sem recursos para continuar os estudos em uma escola paga, interrompeu o curso no final da primeira série. Insistentes pedidos seus reforçaram a luta de Dona Edeltrudes, que fez várias tentativas para conseguir uma escola, onde Paulo pudesse estudar gratuitamente. Após diversas viagens frustradas ao Recife, Dona Edeltrudes encontrou no Professor Aluízio Pessoa de Araújo, do Colégio Oswaldo Cruz, a compreensão que possibilitou a Paulo Freire dar continuidade a sua formação escolar. Ali concluiu o curso secundário, iniciado no Colégio 14 de Julho, e realizou o pré-jurídico, conforme o modelo então vigente. (Freire, A. M. A., 1996, p. 30)
No Colégio Oswaldo Cruz, após algum tempo como censor, Paulo iniciou a carreira do magistério, como professor de português. Substituía Moacir Albuquerque, considerado, então, um dos melhores professores de português do Recife. De 1941 a 1944, recorda: “...vivi um tempo intensamente dedicado a leituras tão críticas quanto me era possível fazer, de gramáticos brasileiros e portugueses.” Prossegue: “Parte da parte que me cabia do que eu ganhava dedicava à compra de livros e de velhas revistas especializadas. (...) Raramente, naquele período de alumbramento em que me achava, apaixonado, enfeitiçado mesmo, pela docência no Colégio Oswaldo Cruz, apliquei um dinheiro maior na compra de uma roupa. (...) Não andava sujo, é verdade, mas andava feiamente vestido”. (Freire, P. 1994, p. 103-4)
Em 1943 ingressou na Faculdade Direito do Recife. No ano seguinte, casou-se com Elza Maria Costa de Oliveira, professora primária, que exerceria um papel fundamental na vida e na construção das idéias e das práticas de Paulo Freire. Sobre Elza, dizia Paulo “Ela influenciou-me enormemente. Assim, meus estudos lingüísticos e meu encontro com Elza conduziram-me à pedagogia.” (Freire, P. e Macedo, D. 1990, p. 109). Com Elza, Paulo teve cinco filhos: suas três Marias, como gostava de dizer (Maria Madalena, Maria Cristina e Maria de Fátima), Joaquim e Lutgardes.
Arturo Ornelas (Gadotti, Org., 1996, box 34, p.150-51) declara que quando viu Elza pela primeira vez experimentou uma impressão da qual jamais esqueceu. E acrescenta: “Trabalhamos juntos na África, em São Tomé e Príncipe. Aí conheci a professora Elza, aquela que ensinava aos africanos de São Tomé, o caminho para descobrirem as palavras geradoras, os temas geradores a partir do universo vocabular; enquanto ela os ensinava eu também aprendia. Com ela, também, discutíamos e analisávamos a política nacional, a economia do país, a beleza e a dor da África.”
Quase Bacharel em Direito, aluno do último ano, não precisou de longo “estágio”, mas de uma decisiva e inconclusa experiência – a cobrança de um débito – para compreender com clareza que a prática jurídica não poderia ser seu cotidiano profissional.
No mesmo ano, 1947, ainda como professor de português no Colégio Oswaldo Cruz, tomou conhecimento, através de Paulo Rangel Moreira, da instituição do SESI pela Confederação Nacional das Indústrias. Paulo Rangel, em visita a sua casa, na Rua Rita de Souza, falou, em presença de Elza, da criação do SESI e do que trabalhar nele poderia significar para os dois.
Quanto a Paulo Freire, trazia-lhe o convite para ocupar a direção de uma Divisão de Educação e Cultura. Para Paulo Freire, o SESI representaria muito mais do que um emprego. Junto ao desafio e à aprendizagem, foi a oportunidade decisiva para a definição de sua história profissional como educador e filósofo da educação. Em 1992, Paulo Freire afirmaria na Pedagogia da Esperança (Freire, P. 1992, p. 18): “A Pedagogia do oprimido não poderia ter sido gestada em mim só por causa de minha passagem pelo SESI, mas minha passagem pelo SESI foi fundamental.”
Nos anos 50, o fazer administrativo e a ação pedagógica (cuja clientela era formada preponderantemente por trabalhadores na indústria), inerentes a seu cotidiano no SESI, o magistério na Escola de Serviço Social de Pernambuco e na Escola de Belas Artes, da Universidade do Recife, onde lecionava História e Filosofia da Educação, foram as referências regulares de trabalho que provocaram sua criatividade e alimentaram a construção de seu pensamento. Além disso, nos anos 50/60, respirava-se no Recife um clima de renovação e de esperança que encontrava no pensamento de Paulo Freire fundamentação e, ao mesmo tempo, o fortalecia (Rosas, P. in Freire, P. 2001, p. XLIX-LXXV).
Os anos 50 foram particularmente importantes para a solidificação do pensamento de Paulo Freire, no tangente a leituras e reflexões. Leituras e reflexões muitas delas comuns aos que chamo (Rosas, P. 1986, p. 23-4) de “uma certa força de trabalho em disponibilidade”, que então havia no Recife, formada por professores, artistas, intelectuais, estudantes insatisfeitos com o statu quo, entre os quais me incluo.
A bibliografia citada por Paulo Freire em Educação e atualidade brasileira (1959) salienta autores integrantes do ISEB (Roland Corbisier, Hélio Jaguaribe, Djacir Menezes, Guerreiro Ramos, Álvaro Vieira Pinto) e “clássicos”, à maneira de Rugendas e Saint-Hilaire, além de Fernando Azevedo, Anísio Teixeira, Gilberto Freyre, Karl Mannheim, Gabriel Marcel, Jacques Maritain, Caio Prado Junior. Essas ou a maioria dessas eram também nossas leituras ou as leituras de muitos de nós. Além de achados mais pessoais de Paulo Freire, como Zevedei Barbu. Eram, igualmente, leituras nossas Emmanuel Mounier, Georges Gurvitch, Lebret. Paulo procurava as idéias, mas sempre foi sensível à forma, ao escrever bem. Ainda quando do seu retorno ao Brasil, indicava aos jovens ler Gilberto Freyre, destacava Nordeste, ainda que muitas idéias divergissem das suas, para ver o que era escrever bem.
Nas palavras de Ana Maria Araújo Freire (1996, p.35), foi como autor do Relatório da Comissão Regional de Pernambuco, intitulado “A educação de adultos e as populações marginais – o problema dos mocambos”, apresentado no II Congresso Nacional de Educação, realizado no Rio de Janeiro em julho de 1958, “que Paulo Freire firmou-se como educador progressista.”
No que se aprofundava na análise política e filosófica da educação, Paulo Freire definia sonhos e utopias possíveis, seu pensamento fazia-se mais consistente, seu fazer, mais criativo, sem perder a coerência entre o pensar e o fazer. De outra parte, provocou perplexidades e críticas, nem sempre formalmente expressas. Entretanto, agir de acordo com a rigorosidade ética, mas sem rigorismo, suscitou, muitas vezes, incompreensões. Como suscitou incompreensões dizer, publicamente, considerar justo receber certas homenagens, quando o comportamento esperado era o de agir de acordo com a praxe, dizendo-se não merecedor do que lhe era conferido, mesmo sendo insincero. A recusa da conduta insincera ficou explicitada, por exemplo, ao receber homenagem da Fundação Joaquim Nabuco, medalha de “pesquisador emérito”, em novembro de 1996.
A substituição do formato convencional das salas de aula pela distribuição dos atores em círculos e o emprego de técnicas de grupo (a conversa, o grupo de estudo, o grupo de ação, o fórum, o grupo de debate e a carta temário) como alternativas à conferência e à exposição didática, preparavam o clima para o diálogo e a descoberta, pelos atores, de saberes já existentes entre eles, mas não percebidos como saberes. O “movimento” da consciência intransitiva para a transitivo-ingênua e, desta, para a consciência “fanatizada” (massificação) ou a consciência crítica foi, de certo, o ponto de partida para as construções futuras da pedagogia freireana. Inclusive dos princípios do “método Paulo Freire de alfabetização”. A utilização de técnicas audiovisuais (projetores) facilitaria a prática do “método”, tanto quanto poderia facilitar, entre os alfabetizandos e os alfabetizados, sobretudo a partir da problematização e da pergunta/diálogo, a leitura ou releitura crítica do mundo.
No processo de criação do “método”, Paulo Freire, do mesmo modo como ocorrera com sua própria alfabetização, salienta o universo vocabular do alfabetizando como ponto de partida. Descreve a Nilcéa Lemos Pelandré (Pelandré, 2002, p. 59): “... era preciso que eu fosse ao contexto de quem ia aprender a ler, para pesquisar o discurso da cotidianidade e de lá retirar o vocabulário a ser utilizado no processo”. Na simplicidade deste ato se encontra a origem do envolvimento dos alfabetizandos, não apenas quanto ao interesse por aprender a ler a palavra escrita, mas se dispor a participar da problematização de situações e a dialogar quanto à busca de explicações lógicas para as situações/problemas.
O advento dos anos 60 encontrou Paulo Freire com todo o delineamento de um pensamento político-pedagógico dialógico e libertador, condicente a atitudes indicativas da autonomia e do intercâmbio dos saberes entre o aprendiz e o educador. O Movimento de Cultura Popular (MCP), o Serviço de Extensão Cultural (SEC), da Universidade do Recife, a experiência de Angicos e o Programa Nacional de Alfabetização, do MEC, foram, então, os campos de exercício da criatividade e das práticas pedagógicas de Paulo Freire, sempre objetos de novas reflexões.
Apesar de Paulo Freire se sentir cada vez mais interessado em aprofundar a discussão dos fundamentos filosóficos de suas propostas pedagógicas, o sucesso alcançado pelas primeiras experiências com o método atropelava o desejo de seu idealizador. “No princípio era o método” – escreve Gerhardt (Gerhardt, 1996, p.156). E, não se pode negar, o método era um dos primeiros sonhos possíveis de Paulo Freire.
No MCP, onde era Diretor da Divisão de Pesquisa e Coordenador do Projeto de Educação de Adultos, promoveu sua primeira aplicação, a qual teve lugar no Centro de Cultura Dona Olegarinha, no Poço da Panela, Recife (Freire, P. 1963). A turma era formada por 5 adultos analfabetos. Dois desistiram. Testemunha Freire: os alfabetizandos eram de origem rural, “revelando certo fatalismo e certa inércia diante dos problemas. Completamente analfabetos.” Já o primeiro teste, no vigésimo dia, alcançou resultados animadores. No trigésimo dia, “liam e escreviam texto simples e até jornal.”
A prática foi repetida com um grupo de oito pessoas (3 desistiram). Os 5 restantes obtiveram resultados semelhantes ao anterior. Um terceiro grupo, de 25 pessoas, foi iniciado, mas por motivos que independeram da vontade de Paulo Freire, o trabalho precisou ser interrompido na vigésima hora, “com a maioria já lendo e escrevendo palavras e pequenos textos.”
Outras aplicações do método foram feitas em João Pessoa (CEPLAR) e na Universidade do Recife (Serviço de Extensão Cultural), com a colaboração de estudantes, sempre com resultados que justificavam a continuidade. Grupo de jovens pesquisadores atuando no SEC, entre os quais Jarbas Maciel, Jomard Muniz de Britto e Aurenice Cardoso,
desenvolviam estudos sobre a fundamentação teórica do que já chamavam “Sistema Paulo Freire”.
Seguiu-se a experiência de Angicos, no Rio Grande do Norte, desenvolvida entre janeiro e março de 1963, sem dúvida o mais expressivo esforço de alfabetização, empregando-se o “método Paulo Freire”, então concretizado no Brasil. Provocou uma certa polêmica, inclusive entre companheiros de Paulo Freire, pois foi realizada com recursos da USAID e interveniência de Aluizio Alves, na época Governador do Rio Grande do Norte. Entretanto, deu mais visibilidade às possibilidades pedagógicas e políticas do método e acirrou os temores dos conservadores (Lyra, C. 1996).
Finalmente, o Programa Nacional de Alfabetização, do MEC, cuja coordenação assumiu, a convite do ministro Paulo de Tarso Santos. O Programa deveria adotar o “método Paulo Freire” e alcançar amplitude verdadeiramente nacional. Projeto político, “mas sem Partido e sem politiquices”, declarou Paulo a Sérgio Guimarães (Freire, P. e Guimarães, S. 1987, p. 13). E acrescentou: “Não quero dizer que na época já estivéssemos com o esquema montado para o país todo, mas quase: estávamos cuidando da capacitação de quadros que, por sua vez, se multiplicavam, etc. Com esse Plano, pretendíamos alcançar o país todo.”
A utilização do “método Paulo Freire” em Angicos e no Programa Nacional de Alfabetização, do MEC, contribuiu, sem dúvida, para a prisão de Paulo e seu posterior exílio, quando foi deflagrado o golpe de estado de1964.
Apesar da significativa influência exercida sobre os movimentos de cultura e educação popular dos anos 60 (Movimento de Cultura Popular, Recife, do qual foi um dos fundadores e dirigente; Campanha De Pé no Chão também se Aprende a Ler, Natal; Movimento de Educação de Base, de âmbito nacional; Campanha de Educação Popular, João Pessoa), das experiências de Angicos, do Programa Nacional de Alfabetização e do Serviço de Extensão Cultural, nesse primeiro período escreveu apenas um livro: Educação e Atualidade Brasileira, que teve uma edição particular, do Autor: Recife, 1959. Somente em 2001 Educação e Atualidade Brasileira teria uma edição comercial, São Paulo: Cortez Editora.
Em 1961, a Imprensa Universitária, da então Universidade do Recife, publicou a obra A Propósito de uma Administração, onde Paulo Freire expôs sobre as atividades realizadas pelo Professor João Alfredo Gonçalves da Costa Lima, na Reitoria da Universidade.
Fora do comércio foram também os Livros de exercício e o do monitor, destinados à orientação dos alfabetizadores. O único livro de Paulo Freire publicado antes do exílio data de 1963: Alfabetização e conscientização, Porto Alegre, Editora Emma.
Com o golpe de estado de 1964, Paulo Freire foi preso no dia 16 de junho, acusado de atividades subversivas. Permaneceu 70 dias detido, parte em Olinda, parte no Recife, mas em diversas celas. Ou, como declarou a Sérgio Guimarães (1987, 66): “fui inquilino de duas casas, mas morei em vários apartamentos”...
Consciente da realidade que vivia o país e que vivia ele próprio, retirou da situação a oportunidade imprevista de uma nova aprendizagem. Consciente de ser preciso aprender a viver na cela, aprendeu com Clodomir Moraes palavras e expressões que “preso não usa em depoimento”: aliás, por sinal, a propósito... “até que você pare, vai ter que meter um terceiro no fogo”... Aprendeu novas formas de solidariedade. De respeito (e testemunhou desrespeito) à pessoa. A participar de jogos e passatempos: em um dos jogos, invenção de um jovem vizinho de cela (não se viam, mas se ouviam), Ariano Suassuna e o autor deste artigo, entre outros não citados, foram “personagens”... Questionado, Paulo Freire revelou a Guimarães: “Saudade, sim. Desespero, não.”