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Leitura de fatos violentos publicados na mídia Ano 9, nº 34, 21/09/09 "A MORTE COMO PRETEXTO PARA A NOTÍCIA"

21 Sep 2009


A MORTE COMO PRETEXTO PARA A NOTÍCIA

Das ações incendiárias contra ônibus coletivos e dos ataques a módulos policiais passa-se ao caso de uma morte violenta que lança suspeita sobre o pugilista Popó. E assim vai se dissipando a fumaça que deixou alarmada a capital baiana e é restituída a forma habitual de se abordar a violência na Cidade. A novidade, agora, é o possível envolvimento de Arcelino Popó em um homicídio. Resulta dessa possibilidade o destaque que a mídia deu à ocorrência.

De acordo com notícias veiculadas nos meios de comunicação de Salvador a partir de 11 de setembro, o namorado de uma sobrinha de Popó, Jônatas Almeida e seu amigo Moisés Pinheiro foram levados à força, por dois homens, para a estrada do CIA e ali Pinheiro foi morto e Jônatas conseguiu fugir. Suspeita-se que a ação tenha sido realizada a mando do pugilista em razão do descontentamento de sua família com o relacionamento que sobrinha, de 17 anos, mantinha com Jônatas.

Na cobertura do caso, as referências à vítima, ao morto, sistematicamente, a sua ficha manchada na polícia por roubo de carro, tendo sido condenado a quatro anos e oito meses. Sobre Jônatas, também foram veiculadas informações comprometedoras entre as quais uma prisão por receptação. Com esses dados é possível afirmar que o destaque dado ao caso está, exclusivamente, relacionado com a hipótese de envolvimento de Popó.

No contexto atual, não obstante a legislação brasileira colocar o direito à vida como algo inegociável, independentemente da ficha criminal do cidadão, tem-se observado uma certa tolerância em relação aos assassinatos contra pessoas envolvidas com o crime. Nesse sentido vem sendo considerado natural esse tipo de morte, é como se fosse um óbito ajustado à vida da vítima. Passa, então, a ser injusta apenas aquela morte que vitima inocente, ou seja, pessoa sem nenhum vínculo com o mundo do crime.

É necessário recordar que a categoria inocente antes aludida não diz respeito, necessariamente, à ação criminosa que resulta na morte. Trata-se de uma informação contida na trajetória de vida do morto. Uma vez encontrado esse dado negativo, é vislumbrada ou sugerida relação entre o falecimento e aquela mácula, dando-se ao óbito uma justificativa e ao morto uma responsabilidade pelo seu fenecimento. Talvez essa lógica de acomodação explique por que o caso aqui tratado colocou a trama relativa à morte em segundo plano, como uma espécie de pretexto para a notícia centrada na participação de Popó.

O que há de mais estranho na ocorrência é a possível participação de uma celebridade do mundo dos esportes. É essa peculiaridade que dá ao assunto relevo e o tira da opacidade comum aos casos nos quais indivíduos pobres, jovens, negros matam seus equivalentes sociais. Desse modo, pode-se dizer que as notícias relativas à ocorrência se ancoram em um derivado da morte trágica e, portanto, a tragédia deve a esse derivado seu status de notícia relevante.

Tem-se, desse modo, uma história de morte que ganha projeção às custas de sua possível relação com um ícone do esporte. Entretanto, nessa chance de exibição do crime ele não se mostra como objeto próprio da notícia, ao contrário, se apresenta como assunto que dá lugar para uma polêmica e é ela que é promovida à condição de manchete que abala mais que a morte.

     



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