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DoriedsonAlmeida - 12 Mar 2007
Diferentes abordagens sobre a utilização de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) na escola e/ou em espaços concebidos por políticas de inclusão sócio-digital tem sido alvo das preocupações de cientistas na área educacional.
Há propostas construídas que têm influenciado o comportamento sócio-cultural e o aprendizado de jovens em idade escolar. Tais propostas materializam-se por meio de programas b e/ou projetos isolados formulados para inserção dessas tecnologias em espaços de educação formais e não formais1. (a meu ver em sua maioria tais projetos ainda não se constituem enquanto políticas públicas bem estruturadas)
Assim, a apropriação cultural das TIC vem causando impactos no currículo, no cotidiano e em diferentes espaços/tempos escolares (Barreto, 2002), mesmo que esta esteja acontecendo fora de seus muros e com objetivos diversos aos da educação escolar formal.
Nos últimos anos, também tenho acompanhado e pesquisado temas relacionados ao uso de ambientes virtuais para a alfabetização e também a convergência entre programas elaborados para inclusão sócio-digital e uso de TIC em escolas. Constatei que existe uma falta de sintonia entre o instituinte e o instituído; em contraposição com o que realmente ocorre no dia-a-dia da sala de aula.
As nuances que envolvem esses espaços intra e extra-escolares, reais/virtuais e que se apresentam como sementes de mudança e motor de uma revolução em curso são tão numerosas quanto sutis, e a nosso ver não se esgotam no espaço “intramuros” das escolas e das salas de aula, pois se alastram por toda parte. Permeiam o cotidiano e o imaginário social e causam e/ou causarão impactos positivos/negativos nos sujeitos envolvidos no processo educacional.
Em vários estudos sobre interfaces e aplicações destinadas ao ensino e aprendizagem e/ou sobre a utilzação de TIC em escolas, os recursos tecnológicos e os aspectos técnicos são o objeto central nas questões investigadas (por exemplo, Abreu 2003), por outro lado, as questões subjetivas são muito pouco abordadas.
Nessas pesquisas, existe uma preocupação em mostrar números, possibilidades teóricas daquilo que se propõe como o “estado da arte” nas relações que ocorrem no ‘cyberespaço’ e durante o processo de apropriação de tecnologias pela escola.
Entretanto, aspectos da realidade onde/como ocorrem as interações ser humano/novas interfaces tecnológicas/cyberespaço, geralmente não são abordados e trazem no seu cotidiano subjetividades que são tão ou mais importantes que as questões puramente tecnológicas, e que às vezes passam despercebidas.
No estudo que realizei no mestrado (Almeida, 2004), abordei alguns aspectos relacionados às representações que professores, alunos e pedagogos fazem da apropriação desse ferramental no cotidiano da escola. Investiguei, embora sem maior profundidade, as modificações culturais, espaço-temporais e pontos de conexão entre essas diversas políticas públicas e/ou propostas de apropriação dessas tecnologias pela sociedade, especialmente as educacionais e as destinadas à inclusão social e digital.
Os resultados mostraram que existe uma certa tendência disciplinarizante da forma como ocorre o uso de TIC em escolas, com horários e regras fixas e às vezes intransponíveis e um certo “conservadorismo pedagógico”, o que a nosso ver, constitui-se num risco ao caráter inovador e criativo que estas trazem em seu bojo.
Contrapondo-se a essa realidade, que nos parece hegemônica, identificamos propostas inovadoras que procuram valorizar experiências e vivências de professores e alunos, fomentando e abrindo espaços para atividades mais lúdicas e criativas realizadas com maior liberdade, porém, em muitos casos tais experiências resultam de burlas cotidianas, táticas de enfrentamento e de um uso não autorizado (Certeau, 1996) e/ou diverso daqueles constantes dos objetivos oficiais.
Constatei também que mudanças relacionadas a aspectos arquitetônicos são fundamentais no espaço/tempo escolar ora (re)significado pelas TICs, conforme nos mostra Pretto(1996) relatando a experiência de sua primeira visita à Escola Parque, idealizada por Anísio Teixeira na década de 50:
São as redes telemáticas, computadores, Internet, vídeos, TVs interativas chegando nas escolas e trasnformando-as profundamente... Pensamos muito. Imaginamos as mudanças necessárias nos espaços físicos das escolas. O papel dos professores ... Olhamos para a frente, como sempre nos induz estas novas tecnologias. E, num simples dia de julho de 96, visitando pela primeira vez a Escola Parque de Anisio Teixeira, começo a perceber que, de fato, eu estava vivendo, ali, a tal escola do futuro que tanto idealizamos. (Pretto, 1996, p. 2).
A reflexão acima também nos mostra que não basta que as escolas estejam abarrotas de ferramentais tecnológicos e comunicacionais para concluirmos que ela esta preparada para os desafios da educação contemporânea.
Acreditamos que por meio da valorização das experiências vividas e caminhos percorridos, sobretudo por professores e alunos, encontraremos indícios que possam desvelar subjetividades e práticas cotidianas; e ao mesmo tempo, nos revelar como realmente ocorre a apropriação e interação com novos ambientes tecnológicos e virtuais pelo universo escolar; além de sua possível convergência com outras propostas escolares e não escolares, contribuindo para uma apropriação social e cultural das TIC para fins cognitivos e/ou de inclusão sócio-digital que ocorrem em espaços/tempo para além dos muros escolares.
É nesse contexto, que pretendo dar continuidade ao trabalho iniciado no mestrado. Buscando por meio da identificação de táticas, burlas e “usos desautorizados”, fazer o contra-ponto instituinte/instituído em projetos destinados ao uso de TIC para fins pedagógicos ou de inclusão social.
Assim, esperamos aprofundar os paralelismos e simbioses que se colocam entre o real e o virtual, o ideal e o possível, o proposto e o realizado, o oficial e o não-oficial, o permitido e o desautorizado, entrelaçando a investigação do discurso com a prática a fim de identificar e apontar alternativas.
Acreditamos que a escola precisará ser modificada, tanto em seus aspectos curriculares e temporais quanto arquitetônicos, pois os alunos que hoje a freqüentam estão cada vez mais imersos em universos paralelos, sejam eles materializados e representados por espaços como: casas de jogos eletrônicos, infocentros, internet cafés, etc., ou desmaterializados e (re)significados em espaços virtuais de comunicação bi/multi-direcionais presentes no cyberespaço, como: chats, flogs, páginas web, e-mails, simuladores virtuais diversos, etc.
Em nossos estudos e observações verificamos que embora as TIC já constituam uma realidade em um grande número de escolas, a forma como são utilizadas ou se incorporam ao processo cognitivo não contribuem para que ocorram mudanças estruturais capazes de produzir mudanças de paradigmas e ou melhorias significativas na forma de aprendizado dos alunos.
É fácil identificar no comportamento de jovens e adolescentes que as experiências vividas nesses universos paralelos proporcionados pelo contato com as TIC em seus diferentes aspectos possíveis para além do muro da escola, que essas experiências se entrelaçam e constroem uma espécie de “vanguarda comportamental” desses extratos da população, em especial àquela em idade escolar muitas vezes mais rica em possibilidades de aprendizagens do que aquela vivenciada nas escolas.
Entendemos que a escola deve encontrar caminhos capazes de (re)significá-la frente à velocidade com que esses novos desafios são colocados, por isso propomos esse contra-ponto entre as propostas oficiais instituintes e o instituído das TIC ampliando nosso olhar para o que ocorre além de seus muros em espaços não escolares e/ou paralelos, numa busca de aprendizagem, troca e convergência mútua entre esses diversos espaços/tempo.
Para tanto, não podemos ficar apenas restrito ao espaço/tempo da escola e ao discurso oficial presente no bojo dos projetos e propostas pedagógicas voltadas para utilização das TIC por professores e alunos, precisamos ir além: nos interessa o que realmente acontece, como esses universos estão sendo construídos, como se interconectam com outras propostas e espaços/tempo, quais as burlas e subversões cotidianas realizadas por professores e alunos como tática de enfrentamento aos desafios colocados e/ou como contestação às propostas curriculares e pedagógicas oficiais.
1. Entendemos espaços de educação formais e não formais nesse contexto, como sendo todo espaço público ou privado que possibilite ao seus frequentadores alguma experiência cognitiva a partir do uso de Tecnologias da Informação e Comunicação.