CETAD UFBA

"As drogas, mesmo o crack, são produtos químicos sem alma: não falam, não pensam e não simbolizam. Isto é coisa de humanos. Drogas, isto não me interessa. Meu interesse é pelos humanos e suas vicissitudes."
Antonio Nery Filho

CETAD: os vinte e cinco anos do centro, na perspectiva do professor Antonio Nery Filho

No último dia 25, o Centro de Estudos e Terapia do Abuso de Drogas completou 25 anos de atividades. Pioneiro no atendimento ambulatorial a usuários de álcool e outras drogas no estado da Bahia, o centro fundado pelo professor Antonio Nery Filho, foi inaugurado como atividade de extensão e hoje  é um Serviço Permanente da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, tido como referência no tratamento do abuso de substâncias psicoativas pelo Conselho Estadual de Entorpecentes (CONEN) e reconhecido nacionalmente por instâncias como o Ministério da Saúde e a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD), sobretudo pela atenção multidisciplinar e por experiências como o Consultório de Rua.

 
O CETAD Observa buscou saber um pouco mais sobre o processo de construção deste espaço de trabalho e de multidisciplinaridade e, para isso, nada melhor que conversar com o seu fundador e coordenador, o professor Antonio Nery Filho, que falou sobre as motivações para construção do centro, as parcerias, as crises, o momento atual e as expectativas para os próximos anos.
 
"Eu diria que estamos hoje, do ponto de vista do ânimo para o trabalho e da alegria de abrir novos campos, como nós estávamos nos cinco primeiros anos. Completamos vinte e cinco anos com a alma de quando tínhamos cinco, mas com uma cara um pouco mais velha". Assim o professor Nery sintetiza o momento atual do centro, cuja idealização nasceu da inquietude ao observar a assistência que era ofertada aos usuários de drogas ilícitas, nas décadas de 70 e de 80. 

 
Em 1971, já diplomado em medicina e atuando como psiquiatra, o coordenador ingressou como perito no Manicômio Judiciário (atual Hospital de Custódia e Tratamento) para a prática de psiquiatria forense. Naquela época, as pessoas flagradas com drogas eram encaminhadas para o Manicômio Judiciário, a fim de serem periciadas. “Descobri mais tarde que as pessoas eram encaminhadas para exame em razão da Lei: os dependentes tinham destino diverso daquele dos traficantes; os primeiros eram submetidos a tratamento e os segundos privados de liberdade. Ser considerado doente era, no final das contas, melhor e mais fácil diante das imposições da Lei.
 
“Poucos anos depois, fui convidado para ensinar psiquiatria forense na Faculdade de Medicina [da UFBA]. Nas visitas ao Manicômio com os alunos, voltei a ver aquelas pessoas ”. Neste segundo momento, aliando a prática à docência, o professor Nery começa a idealizar um espaço onde fosse possível “cuidar dos usuários de drogas, sem os constrangimentos impostos pela ilegalidade, pela polícia e pelos dispositivos de Lei”. Assim, o CETAD, desde sua criação, converteu-se num ambiente onde o indivíduo  consumindo drogas pudesse ter um acompanhamento terapêutico que respeitasse a sua subjetividade e liberdade de escolha.
 
Parcerias - Nascido na academia, o CETAD encontrou na Secretaria da Saúde, um grande aliado para sua implantação e desenvolvimento. Sua primeira sede foi no Centro Social Urbano da Caixad'Água, graças à parceria com a antiga Secretaria do Trabalho e Bem Estar Social e a atual, no Canela, deve-se à mesma parceria com a SESAB. Outras instâncias, como a Secretaria da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (SJCDH), a Secretaria da Educação (SEC), a Secretaria Municipal de Saúde de Salvador (SMS) e o Serviço Social da Indústria (SESI) vieram a partir da consolidação do centro enquanto serviço gratuito de atenção aos usuários de álcool e outras drogas. Nery Filho vê nestes parceiros colaboradores, o principal sustentáculo do Centro. Segundo ele, sem estas parcerias, certamente, o CETAD não teria a expansão que experimenta hoje.

  A colaboração não se resume apenas na intersetorialidade. Desde a sua criação, o CETAD foi pensado na perspectiva da interdisiciplinaridade ou, como Nery explica, através do "cruzamento de olhares, múltiplos, completamente diferentes e que possibilitassem um outro lugar para os usuários de drogas". A participação de diferentes saberes, além da medicina, é, para ele, um dos grandes diferenciais e inovações do centro, o que condiz com a sua visão sobre a prática psiquiátrica, uma das especialidades que permite e necessita da interação com outros campos, como o das ciências sociais. 

  Dificuldades e Desafios - Nem tudo, no entanto, foram flores nesses vinte e cinco anos. Algumas crises estruturais, como na época da transição da sede da Caixa d'Água para o Canela, que se refletiu no número de atendimentos da clínica, são lembradas pelos mais antigos. "no Canela não tínhamos piso, nem paredes. Foi um período que durou dois anos, o atendimento caiu e pensamos que iríamos fechar o centro, quando tivemos a colaboração da Secretaria de Planejamento do Estado e, posteriormente, da prefeitura", explica.
 
Outras crises, Nery Filho classificou como oriundas do processo inventivo, como a retomada do programa de redução de danos no Brasil, em 1995. A prática, que na época consistia na troca de seringas usadas por novas e na distribuição de preservativos, tinha por objetivo diminuir a vulnerabilidade dos usuários de substâncias psicoativas, especialmente as injetáveis, à contaminações como pelo HIV. Originalmente iniciada em Santos (SP), e interrompida sob a acusação de incentivo ao uso de drogas, esta iniciativa do CETAD foi ousada, contrariando instâncias como a Igreja Católica e o Ministério Público.
 
"Nós estávamos preocupados em proteger a vida dos usuários. A prática da redução de danos era para que essas pessoas pudessem evitar contaminação com o vírus HIV e para que nós pudéssemos conversar com elas e, de alguma forma, fazer algo que pudesse beneficiá-las", justifica Nery, que continua: "hoje, a redução de danos é uma política nacional de saúde".
 
A interrupção das atividades de redução de danos do CETAD, também foi lembrado como um dos momentos difíceis. "Essa “fratura” sofrida pelo centro com a interrupção do Programa de Redução de danos, prefiro deixar em silêncio” diz, meditativo.
 
Novos passos - – As crises sempre fazem crescer, diz o professor Nery avaliando  a fase atual do CETAD como um momento de grande expansão, de criatividade e de realizações. Para ele, a criação e desenvolvimento do Observatório Baiano sobre Substâncias Psicoativas - CETAD Observa, a inauguração da atividade "Saúde (de cara) na Rua" e a Escola Aberta do CETAD, ainda em construção, são exemplos que demonstram o atual período criativo.
 
Outras conquistas são a retomada do Consultório de Rua, em parceria com a SENAD, nos municípios de Camaçari, Lauro de Freitas e Salvador, a especialização "Psicoativos: seus usos e usuários" (iniciado no ano passado com financiamento do Ministério da Saúde) e a proposta de criação de mestrado profissional, em parceria com o Instituto de Saúde Coletiva (ISC/UFBA), são fortes iniciativas na formação de recursos humanos qualificados.  O CETAD participa de modo importante do programa federal Ações Integradas na Prevenção ao Uso de Drogas e Violência, lançado ano passado pela Secretaria Nacional de Política Sobre Drogas-SENAD e pelo Programa Nacional de Segurança com Cidadania-PRONASCI. A parceria desenvolvida com a Secretaria Municipal de Saúde da cidade do Salvador, abre largas possibilidades para o trabalho em nossa cidade.

  "A expectativa, neste momento, é ver consolidada todas as coisas novas e reconfiguradas as antigas. Nesse clima em que estamos, tenho a esperança – um sonho mesmo - que em breve possamos inaugurar, no CETAD, um doutorado com ênfase em álcool e outras drogas. Entretanto, a convivência com as mulheres e os homens que fizeram e fazem o CETAD ao longo de 25 anos, foi o melhor desta experiência”, finaliza.


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