CETAD UFBA

"As drogas, mesmo o crack, são produtos químicos sem alma: não falam, não pensam e não simbolizam. Isto é coisa de humanos. Drogas, isto não me interessa. Meu interesse é pelos humanos e suas vicissitudes."
Antonio Nery Filho

Consultório de Rua: origem e trajetória

"Observar a excepcionalidade e não a banalidade", postura aprendida na convivência com o sociólogo Gey Espinheira, em avaliar atentamente as experiências vivenciadas. Esta perspectiva, somada a várias inquietações, foi um dos aspectos que possibilitou o coordenador do Centro de Estudos e Terapia do Abuso de Drogas da UFBA (CETAD), Antônio Nery Alves Filho, a idealizar um espaço clínico inusitado, o Consultório de Rua, desenvolvido e executado pelo CETAD por cinco anos (1999-2004), nas ruas da cidade de Salvador, e que agora será reinstalado nela, além da implantação nos municípios de Camaçari, Lauro de Freitas e Simões Filho, através do Programa Ações Integradas de Prevenção ao Uso de Drogas e Violência, da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD) e do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), do Ministério da Justiça. Atender crianças e adolescentes em situação de risco e vulnerabilidade social, através da atuação de uma equipe profissional multidisciplinar formada por médicos, psicólogos, assistentes sociais, pedagogos e redutores de danos, é o principal objetivo do Consultório de Rua, que utiliza como suporte um ambulatório móvel que vai até os locais onde se concentra o público-alvo do projeto.

Primeiros Passos - A inspiração veio quando Nery Filho, no início dos anos 90, então doutorando de Sociologia, em Paris, conheceu a ONG Médicos do Mundo, organização francesa formada por profissionais de saúde que atendem pessoas em situação de vulnerabilidade social, como moradores de rua e profissionais do sexo, através de um ônibus equipado como clínica. “Essas pessoas [pacientes] tinham um lugar onde ancorar, conversar com alguém, ser examinados, sem nenhuma exigência. Havia muitas coisas para elas, oferecidas por aquele ônibus, um verdadeiro ambulatório”, destacou Nery Filho, em entrevista ao CETAD Observa.

De volta para Salvador, a idéia inicial ganhou novos contornos durante uma reunião com a equipe clínica do CETAD, após a constatação de que a presença de meninos e meninas de rua nos atendimentos do centro estava diminuindo. Ao indagar a estes pacientes acerca do não-comparecimento ao atendimento, Nery Filho percebeu que a metodologia institucional não se adequava às necessidades destes jovens e crianças. Foi a partir de então que ele resolveu ir à praça da Piedade, juntamente com Gey Espinheira, Jane Montes e Margarete Leonelli, a fim de observar o ambiente e modo de vida dos meninos e meninas em situação de rua, atividade a qual também orientou a seus alunos de Psiquiatria Forense e ficou conhecida como Bancos de Rua. Somadas estas três experiências ao trabalho dos Pontos Móveis, que o CETAD, na década de 90, desenvolveu a partir da lógica de redução de danos, focada na prevenção à contaminação do vírus da AIDS através de drogas injetáveis, Nery Filho redigiu o projeto do Consultório de Rua, que foi coordenado pela psicóloga Miriam Gracie Plena, durante cinco anos.

“Ponte para o Impossível” - Miriam registrou todo o aprendizado obtido com o projeto em sua dissertação de mestrado defendida em 2009 (acesse aqui a dissertação de mestrado), mesmo ano que o Ministério da Saúde reconheceu o Consultório de Rua como experiência institucional inovadora . Em entrevista cedida ao CETAD Observa, Míriam explicou o projeto como uma experiência “extra-muros”, sendo importante que aconteça no ambiente dos moradores de rua, pois a partir dela pode-se criar uma ponte para outros serviços institucionais. “É um dispositivo que pode articular com a atenção básica, com outros setores como instituições de saúde, enfim, para benefício destas pessoas”, argumenta.

Andréa Leite, assistente social e atual coordenadora executiva do Consultório de Rua, também destaca como benefício “a possibilidade para esses meninos e meninas de rua de sair da invisibilidade e de saberem que existe um grupo de profissionais que se importam com a sua vida e que a valorizam, independente do seu modo de vida.”. Nery Filho denomina este processo como uma “ponte para o impossível”, a partir do momento em que possibilita à população de rua a consciência de seus direitos.

Ações Integradas – A SENAD escolheu o Consultório de Rua como um dos três projetos que poderão ser executados pelas quatro regiões metropolitanas contempladas pelo programa Ações Integradas na Prevenção ao Uso de Drogas e Violência. No final de 2009, a SENAD e o Pronasci aprovaram o recurso de aproximadamente 1,5 milhões de reais para a implantação do Consultório de Rua nos municípios baianos.

A diretora de Políticas de Prevenção e Tratamento da SENAD, Carla Dalbosco, justifica a escolha pelo Consultório de Rua pelo fato da metodologia “já ter um amplo reconhecimento nacional, tendo se consolidado como uma boa prática de atenção a esta população em situação de rua tão vulnerável que, na maioria das vezes, não chega até os serviços de saúde.” Andrea Leite explica que “o CETAD será a instituição responsável pela execução do projeto, desde a formação até o acompanhamento do desenvolvimento das atividades, sob a coordenação geral do Dr. Antonio Nery Filho”.

Atualmente, uma comissão formada por técnicos municipais e pela coordenação do projeto tem se reunido para planejar a instalação do Consultório de Rua nos municípios selecionados pelo Programa Ações Integradas.


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