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"As drogas, mesmo o crack, são produtos químicos sem alma: não falam, não pensam e não simbolizam. Isto é coisa de humanos. Drogas, isto não me interessa. Meu interesse é pelos humanos e suas vicissitudes."
Antonio Nery Filho

Michel Misse fala sobre tráfico de drogas e violência

por Yuri Rosat em

Na última sexta-feira de abril, o auditório do CRH, no pavilhão de aulas de São Lázaro, recebeu a palestra “Violência no mercado de drogas do Rio de Janeiro” do professor Michel Misse da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Doutor em sociologia pela IUPERJ, Misse dirige o Núcleo de Estudos em Cidadania, Conflito e Violência Urbana da UFRJ. Pesquisador do CNPq tem experiência na área de sociologia com ênfase em Teoria Sociológica, atuando principalmente nos seguintes temas: sociologia urbana, comportamento desviante, drogas, criminalidade e violência urbana.

Nas suas quase 2 horas de apresentação, abordou questões essenciais para a compreensão do surgimento do tráfico, além de apontamentos sobre as questões sociais envolvidas no tema. Abaixo, a seleção de alguns temas abordados por Misse durante sua palestra.

Início - O mercado de drogas, até meados dos anos 60, concentrava-se principalmente na venda de maconha destinada às camadas populares. Ainda na década, devido à influência da contracultura, o perfil do usuário começa a mudar, interessando jovens artistas, intelectuais e estudantes de classe média.

A cocaína, por sua vez, sempre foi consumida nas elites, embora em pequena escala. Sua chegada ao tráfico torna as bocas de fumo, até então sem expressão comercial, mais fortes. Contudo, seu comércio ainda não era muito expressivo, devido ao alto valor de compra, quadro que mudaria no início dos anos 80: a entrada da Colômbia na produção da droga derrubou os preços, o que estendeu o seu consumo às outras classes. Logo as bocas de fumo ganhariam maior importância e a necessidade de defesa do território levaria a formação das primeiras facções – em especial, o Comando Vermelho.

Os Comandos - Ao contrário do que se pensa, os presos políticos – do regime militar – não instruíram, nem organizaram massivamente os presos comuns. Como todos os indivíduos da sociedade, eles também tinham medo de homicidas e sequestradores. Contudo, alguns presos tinham certo perfil social e conviveram com os “subversivos”, trocando informações e iniciando o processo de organização que culminaria no surgimento da primeira facção.

O governo militar, em repressão aos opositores, criou a Lei de Segurança Nacional em 1969, que entre outras mudanças, não diferenciava presos comuns dos perseguidos políticos. Com a Lei da Anistia, os militantes ganham a liberdade, diferentemente dos outros presos. Essa ação dá “legitimidade” para a criação da Falange Vermelha, embrião do movimento que viria a se tornar o Comando Vermelho (CV), com o slogan “Paz, Segurança e Liberdade”.

Posteriormente, por divergências e jogo de interesses, surgiram facções rivais como Terceiro Comando (TC), a Amigos dos Amigos (ADA) e o Terceiro Comando Puro (TCP). Também foram criadas dissidências juvenis como o Comando Vermelho Jovem (CVJ), Terceiro Comando Jovem (TCJ) e Primeiro Comando Jovem (PCJ), criado com o apoio o Primeiro Comando da Capital (PCC).

No início dos anos 90, a corrida armamentista gera uma lógica de guerra no tráfico. Saindo de uma esfera marginal, a missão agora era a eliminação dos inimigos. Fortemente armados, traficantes iniciam uma onda de violência nunca vista até então no Rio de Janeiro.

Um fenômeno possível de se identificar na organização mais recente dos comandos é o da infantilização e posterior feminização do tráfico. Devido às mortes dos homens, as crianças começam e ser recrutadas, serviço que seria passado logo após para as mulheres.

Importante perceber que tal atitude demonstra uma decadência da “instituição” tráfico, forçando atitudes desesperadas como essa. O cansaço da população das favelas também contribui para o quadro, facilitando a entrada de programas do governo, como o “Território da Paz”. Diante desse quadro surge uma nova mudança: a união de diferentes milícias, em defesa do tráfico.

O Tráfico - O tráfico de drogas no Brasil é divido em três circuitos. O primeiro é o de circulação internacional, onde o país é rota de escoamento para outros países e conta com participação de fazendeiros e empresários; o segundo é o delivery da classe média e, assim como o primeiro, não envolve violência; o último é o mais visível e vulnerável, onde a sociedade condena as drogas. É no front das camadas populares que a violência se torna explícita e a polícia mais agressiva. Quando se criminaliza uma atividade que tem uma larga aceitação popular, como o tráfico ou o jogo do bicho, o governo se depara com dois fatos: o dever de não desmoralizar suas instituições, como a polícia, além de contrariar uma grande parcela da população.

O Crack - A princípio o crack não era bem visto pelos comandos que dominavam o Rio de Janeiro – o Comando Vermelho e o Terceiro Comando. Isso porque acreditavam que a venda de cocaína poderia diminuir, além do estrago que a substância traria à saúde dos clientes. O crack entra no mercado das drogas devido a dois fatores. O grande aumento do preço da cocaína, devido à entrada dos EUA na guerra ao narcotráfico, apreendendo grandes quantidades da droga na Colômbia e em outros países latinos. O elemento essencial para a entrada do crack no Rio foi o enfraquecimento do CV, que com poucas favelas como território e embates com o governo, cederia à venda da substância para se capitalizar.

fonte: CETAD Observa

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