Entrevista: Pedro Gabriel Delgado fala sobre o crack
por Paula Boaventura em
Médico psiquiatra há 35 anos, coordenador de saúde mental do Ministério da Saúde, desde 2000, e do Comitê de Política de Atenção em Álcool e Outras Drogas do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (CONAD) desde 2004, Pedro Gabriel Delgado falou ao CETAD Observa, durante a abertura da IV Conferência Estadual de Saúde Mental Intersetorial - IV CESMI-BA, sobre a atual preocupação do ministério em se tratando de álcool e outras drogas: o tratamento do usuário de crack.
Atuante e defensor dos avanços obtidos na atual Política Nacional de Saúde Mental, norteada pelo reconhecimento do direito social à uma atençã humanista, territorial e de inclusão social na área da saúde mental e pelo Movimento Antimanicomial (Reforma Psiqiuiátrica), Delgado tece considerações sobre os modelos atuais de tratamento aos usuários de crack e fala dos desafios do Ministério da Saúde no enfrentamento à esta problemática.
Leia abaixo, trechos da entrevista:
Sobre o Crack:
"O crack, de fato, é um desafio muito grande para a gestão pública. Nesse momento agora, devo dizer como uma preliminar, o cenário do crack está muito contaminado por uma certa politização, tanto uma politização no sentido geral, como crítica ao funcionamento do SUS, como uma politização no sentido específico pra dizer "este modelo está errado". Então, no sentido de fazer uma disputa de modelos, há um modelo que se considera, se manifesta como sendo mais eficiente no caso do crack, álcool e outras drogas, que é o de longa internação em comunidades terapêuticas ou em clínicas especializadas".
Sobre as Comunidades Terapêuticas:
"As comunidades terapêuticas, que são muito numerosas no Brasil e estão crescendo, estão fora da rede SUS. Tem o apoio da famílias dos usuários e tem também o apoio de grupos de parlamentares. É significativa a relação de muitos parlamentares com as comunidades terapêuticas, já que muitos destes já foram gestores ou contribuem com estes serviços. São ligados a comunidades religiosas, especialmente no caso do Brasil, as evangélicas, embora exista uma participação expressiva também de espíritas e católicos."
Sobre o modelo de tratamento compulsório:
"Esse modelo é o que está sendo colocado como o que dá conta da gravidade do crack. O lema é "tem que internar, internar muito tempo". O debate às vezes se coloca assim. Outro dia, vi um psiquiatra chamado para uma audiência pública no Senado, dizer, assegurar que o tratamento do crack, obrigatoriamente, começa com uma internação por no mínimo três meses. Essa afirmação não tem respaldo na literatura científica, a gente entende a literatura. Este número é muito cabalístico até, por que 3 meses? As comunidades terapêuticas, boa parte delas usa o modelo Minessota e argumental que tem que ficar pelo menos nove meses internados. Mas porquê? Então, na verdade, existe pouca consolidação da defesa desse modelo na literatura científica, mas o paradoxal é que esse modelo encontra abrigo também na comunidade científica brasileira. Nós temos professores universitários, especialmente em São Paulo e Rio Grande do Sul, que atacam duramente a Reforma Psiquiátrica em defesa da idéia de que o tratamento do usuário de drogas só pode ser feito em regime fechado, de internação, a ponto de alguns defenderem a internação compulsória. Alguns professores universitários dizem que pelo descontrole do usuário de crack, a internação tem que ser compulsória, ou seja, um tipo de generalização que é extremamente arriscado e que não pode ser dito como modelo de tratamento, de abordagem do problema."
Sobre o modelo de Reabilitação Psicossocial:
"Por outro lado, nós que defendemos um modelo de atenção territorial, um modelo pela reabilitação psicossocial, pela inclusão social através de apoios também de diversas políticas, especialmente no caso da droga, as políticas de direitos humanos e de assistência social, nós nos defrontamos com a complexidade do crack, sem ter ainda uma rede de atenção efixaz o bastante para dar uma resposta que seja uma resposta intersetorial, de atenção integral, com todas as nossas diretrizes e que seja eficaz o bastante para servir como modelo de demonstração".
fonte: CETAD Observa