Software Livre: a liberdade e a autonomia

São muitas as transformações ocorridas na sociedade contemporânea, as quais se configuram num traço marcante da atualidade. Tal característica se evidencia em diversos ramos da sociedade: político, econômico, social, cultural e também no tecnológico, já que vivemos na era das comunicações. A revolução tecnológica se expandiu nos anos 70 e 80, ganhou força nos anos 90 com a propagação da Internet, de tal forma que hoje as tecnologias da insformação e comunicação constituem-se como base da economia e de muitos outros setores da sociedade. Segundo Castells (1999:50-51, o que caracteriza a atual revolução tecnológica "não é a centralidade de conhecimentos e informação, mas a aplicação desses conhecimentos e dessa informação para a geração de conhecimentos e de dispositivos de processamento/comunicação da informação, em um ciclo de realimentação cumulativo entre a inovação e seu uso". É justamente esse ciclo de realimentação entre a inovação e seu uso que vem remodelando as relações espaço/temporais, em consequência todas as demais relações socio-econômicas. O computador em rede, símbolo da nova revolução, atualmente tem sido um instrumento vital da comunicação, da economia e da gestão do poder; portanto, é impossível nos desvincularmos do fato de que a revolução tecnológica é algo real e está afetando a vida das pessoas.

Em paralelo a esse movimento de transformação, no Brasil, continuamos necessitando de soluções urgentes para a desigualdade social. Fome, miséria, violência, educação, saúde, desemprego, são problemas que persistem, e aprofundam-se... A distância entre ricos e pobres vem aumentando, separando os que têm oportunidades dos que têm poucas chances na vida. Nessa sociedade, cuja maioria da população está excluída de diversos serviços e direitos básicos, seria irônico ou até mesmo contraditório pensarmos em acesso à tecnologia para todos?

Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD 2001 (NERI, 2003) mostram que ainda estamos longe de alcançar a maioria dos brasileiros, pois apenas 12,46% da população dispõe de computador em casa e menos ainda têm acesso à internet - somente 8,31% da população brasileira. A mesma pesquisa mostra que acesso a computador e internet tem relação diretamente proporcional à taxa de escolaridade – quanto mais anos de estudos mais acesso, quanto menos anos de estudo menos acesso. Assim, é possível perceber que aqueles que têm baixa escolaridade, péssimas condições de vida, precariedade na saúde e educação - os excluídos sociais são também os excluídos digitais.

Silveira (2001:21) entende que "a pobreza não será reduzida com cestas básicas, mas com a construção de coletivos sociais inteligentes capazes de qualificar pessoas para a nova economia e para as novas formas de sociabilidade, permitindo que utilizem as ferramentas de compartilhamento de conhecimento para exigir direitos, alargar a cidadania e melhoar as condições de vida”, ou seja, Silveira aponta a formação e o conhecimento como estratégias de desenvolvimento social. Também Afonso (2000), ao problematizar a questão do acesso para todos, aponta quatro fatores interdependentes para que o Brasil possa chegar a um patamar de universalização do acesso às tecnologias e à democratização de seu uso: infra-estrutura, capacitação, gestão e custeio e conteúdo. Destaca-se também a questão da formação e do conhecimento como elementos estratégicos.

Independentemente dos motivos que levam a esse baixo índice de conectividade, o contexto contemporâneo está evidenciando a necessidade das pessoas se adequarem à nova realidade. A revolução tecnológica em curso dá grande relevância à informação e se os grupos sociais menos favorecidos não souberem manipular, analisar e lidar com ela (a informação) ficarão à margem da produção de conhecimento, conseqüentemente agravarão a sua condição de miséria. Para tanto, “O acesso à rede é apenas um pequeno passo, embora vital, que precisa ser dado” (SILVEIRA, 2001 p. 21). É notório que as pessoas conectadas em rede são privilegiadas por terem acesso ao universo de informações disponíveis, conseqüetemente estimulam à criatividade, curiosidade, o conhecimento; daí a necessidade de favorecer o acesso aos excluídos a fim de que eles também possam desenvolver potenciais e se inserirem na sociedade da informação. Esse processo é vital para o desenvolvimento sócio-econômico, político e cultural da nação, além de ser uma questão de cidadania. Porém não é o suficiente, pois o acesso à rede não garante a resolução dos problemas sociais e nem tem essa intenção: trata-se de assegurar o direito ao acesso àqueles que são desprovidos de muitos direitos básicos, contribuíndo assim para a construção de uma sociedade inclusiva e cidadã.

Desta maneira, a inclusão digital poderá contribuir para a formação de sujeitos autônomos e conscientes, capazes de contribuir na construção de uma sociedade menos desigual e mais justa na medida que extrapolar o conceito da alfabetização digital (construção de habilidades práticas para o manuseio das máquinas). Trata-se de um passo que precisa ser dado e se configura no processo de fornecer ao indivíduo, a partir do acesso às tecnologias, a oportunidade de construir competências não só técnicas, mas principalmente cognitivas que lhe permitam vivenciar a interatividade, as comunidades de aprendizagem colaborativas, como forma de construir conhecimento referente ao seu contexto político, social e econômico considerando seu universo cultural. Então baseado no conceito de Inclusão Digital introduzido por Bonilla 2002 (o qual para ela Inclusão digital é um processo complexo que se dá a partir da capacidade que o indivíduo possue de participar, questionar, interagir, produzir, decidir, transformar) é possível afirmar que o indivíduo incluído digitalmente poderá ser um ator social capaz de inteferir, desconstruir e reconstruir, participar, interagir, decidir e questionar sobre sua realidade. Contudo, considerando a complexidade inerente a esse processo e as mazelas sociais existentes, não é difícil concluir que oportunizar o acesso às tecnologias contemporâneas - na perspectiva da Inclusão digital - às camadas sociais menos favorecidas é tarefa árdua, a qual se tornará viável a partir de uma forte mobilização social, incluindo aí políticas públicas consistentes, com debates sobre o assunto, iniciativas privadas, participação das comunidades. e principalmente vontade e ação política.

Felizmente nos dias atuais se tem discutido muito sobre a questão da Inclusão digital. O governo brasileiro anunciou que 2005 será o ano da Inclusão digital, e o orçamento geral da União reservou para este ano R$ 204 milhões para este propósito (MAGALHÃES, 2005). Paralelo à essa discussão sabemos que houve um movimento que começou nos anos de 1980 e vem ganhando espaço no Brasil nos últimos anos: o movimento pelo uso do software livre o qual têm feito parte da pauta de discussões do governo atual. Sabe-se que os R$ 204 milhões serão reservados para a criação de mil tele-centros, conhecidos como “Casa Brasil”, eles terão computadores com acesso à internet, pontos de cultura, e rádios comunitárias numa mesma localidade; existe ainda o projeto “PC Conectado” através do qual o Planalto estará oportunizando à famílias que ganhem acima de cinco salários mínimosa possibilidade de comprar computadores robustos por apenas cinqüenta reais mensais e tem também a medida que prevê o aumento do número de escolas públicas conectadas à internet.

Outras ações demonstram o interesse do governo pelo uso do Software livre: criação das Diretrizes, Objetivos e Ações Prioritárias conforme a Oficina de Planejamento Estratégico do Comitê Técnico para a implementação de Software Livre no geverno federal (PORTAL DO GOVERNO) os quais foram debatidos e aprovados pelo Comitê Técnico de Implementação do Software Livre, coordenado pelo ITI - Instituto Nacional de Tecnologia da Informação da Casa Civil da Presidência da República; financiamentos para projetos de pesquisa e desenvolvimento com inovação tecnológica em Software livre, criação de Frente Parlamentar em defesa do Software livre, assim como a parceria do geverno federal com a IBM para disseminar a adoção de programas livres (PINHEIRO, 2004) e o GESAC – programa de inclusão digital via satélite, do Ministério das Comunicações que pretende ampliar a base de uso de Software Livre em sua rede ao longo do ano, seguindo a política do governo Lula de estimular o uso de tecnologias abertas como forma de inclusão digital (PORTAL DO GOVERNO). O próprio governo lançou um portal na internet a fim de incentivar a adoção, pela adimistração pública federal, de softwares livres, pois sua intenção é estimular a adoção e a produção da indústria de programas abertos como instrumento de fortalecimento da indústria nacional, inclusão digital, integração de sistemas e geração de emprego e renda.

O software livre é um programa de computador baseado na concepção de liberdade e compartilhamento do conhecimento. Possui quatro liberdades: de uso, cópia, modificação e redistribuição, ou seja, não precisa comprar licença para uso, o que permite copiá-lo e redistribuí-lo, não possue o código-fonte fechado, o que possibilita fazer modificações. Ele surge como uma reação dos desenvolvedores ao poder das mega-empresas que vivem da exploração de licenças de uso e do controle monopolístico dos códigos-fontes; ele veio então da necessidade de abandonarmos o antigo papel de meros usuários da tecnologia para começarmos a desenvolvê-la e usá-la para o bem de todos. “ Software livre significa liberdade, não de preço, mas de uso. É a possilidade de adequar e desenvolver tecnologia que interesse ao país, de uma forma muito mais econômica, e de estimular a produção e a troca de conhecimento em todas as instâncias da sociedade” ( PINHEIRO, 2004 p. 7).

Estima-se que mais de 20 milhões de pessoas no planeta estejam utilizando softwares livres e o interesse é ampliá-los por ser considerado uma saída de ordem econômica, política e social para os países em desenvolvimento. O sotware livre vem sendo considerado uma alternativa viável para a implementação do processo de Inclusão digital, já que possibilitará o acesso às tecnologias com um custo mais baixo, formentará o desenvolvimento tecnológico do país, assim como sua autonomia tecnológica. Marcelo Branco um dos coordenadores do projeto de Software livre no Brasil, citado por SILVEIRA (2004 p. 39) disse: “Nosso mercado de informática atinge somente 4% da população. Mesmo assim, nos damos ao luxo de enviar US$ 1 bi de royalites de software proprietários. Para reverter isso, o caminho é o Software livre.”

No Brasil, muitas são as iniciativas direcionadas à Inclusão digital via adoção de programas livres, promovidas pelas universidades, empresas e o parlamento. A exemplo desse fato é possível constatar uma iniciativa local voltada para a disseminação e fortalecimento da adoção de Softwares Livres, a qual está sendo promovida pela UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA - UFBA, especificamente na FACULDADE DE EDUCAÇÃO – FACED. A fim de acompanhar o movimento naciomal e do governo, a direção da Faculdade adotou como uma política institucional o processo de implementação do Software Livre que começou no ano de 2003 com a inauguração dos Tabuleiros Digitais2, continuou com a migração dos sistemas proprietários para os programas livres no laboratório de informática, e gradativamente nas salas dos professores, funcionários e grupos de pesquisa; processo o qual ainda está em andamento. Recebe o apoio das pessoas do Projeto Software Livre – PSL - BA, dos alunos de Ciência da Computação da própria Universidade e do Grupo de Administradores Voluntários da Rede de Informática – GAVRI-IM,um grupo inicialmente formado apenas por alunos voluntários de computação e alguns alunos de matemática do IM/UFBA. Esse processo ainda não é de consenso de todos da comunidade acadêmica, todavia algumas ações estão sendo pensadas a fim de ampliar as discussões e sensibilizar alunos, professores, e funcionários acerca do Software Livre, da Inclusão digital e de suas implicações.

Ter acesso às novas tecnologias e abrir as portas do universo da informação é o primeiro passo para combater a exclusão digital. Assegurar o acesso às classes socialmente excluídas é uma estratégia imprescindível para a construção de uma sociedade inclusiva. Pensar na efetivção desse processo é tomar consciência da necessidade de adoção dos programas livres, pois os custos de aquisição deles são bem menores, sua concepção vislumbra a liberdade de produção e compartilhamento do conhecimento e o desenvolvimento e a independência tecnológica nacional, o que implica em melhoria da conjuntura sociocultural e econômica do país. É contraditório pensar que numa sociedade da informação exista o monopólio de informação quando deveria se ter o compartilhamento da informação, pois “ o movimento pelo software livre é uma evidência de que a sociedade da informação pode ser a sociedade do compartilhamento. Trata-se de uma opção”. (SILVEIRA, 2004 P.74)

Desenvolvimento e autonomia tecnológica do país, segurança, boa performance, baixo custo e compartilhamento de informações e de conhecimentos. Os argumentos em favor do software livre são variados e o movimento em favor dessa alternativa tecnológica cresce a cada dia, compondo inclusive políticas públicas, como no caso do governo federal no Brasil. Todavia, a despeito dos argumentos, das políticas públicas e da ampliação dos movimentos em favor do software livre, observa-se ainda grandes obstáculos que se interpõem à implantação do software livre em larga escala no Brasil. Os críticos e adversários mercadológicos em geral apontam a inconsistência do mercado fornecedor de software livre como principal deficiência de tal alternativa tecnológica. Defendem também a liberdade de escolha do consumidor e engendram iniciativas comerciais e jurídicas agressivas, com o objetivo declarado de competir e não perder a hegemonia do mercado. Um contexto difícil para a adoção do software livre. Soma-se a esse contexto a falta de um modelo de negócio baseado em software livre, o desconhecimento dos usuários, uma cultura de uso de plataformas proprietárias nas modalidades lícitas e ilícitas, assim como um ambiente político recheiado de conflitos,interesses, corrupções e portanto desfavorável a tais iniciativas. Por outro lado a questão da inclusão digital, que vem se tornando emblemática em especial para os governos, traz à tona as discussões sobre o software livre como alternativa adequada, em função dos vários aspectos políticos, econômicos e sociais que representa. As políticas públicas do governo federal para a inclusão digital atestam tais proposições. Todavia, o que se assiste nos bastidores políticos envolvidos com essas questões é uma imensa desarticulação entre os projetos, posições contraditórias dentro do próprio governo e a própria concepção de inclusão digital nas políticas públicas traçadas carecem de consistência, gerando modelos generalizados e "pasteurizados" de inclusão digital, tais como o projeto "Casa Brasil" que pretende implantar telecentros sofisticados por todo o país. Há uma carência de discussões aprofundadas a respeito, abordagens reducionistas e superficiais dos tópicos envolvidos, grandes somas de investimento e resultados pouco significativos. O setor educacional, por exemplo tem sido envolvido de forma tímida e incipiente, quando poderia assumir lugares estratégicos na formação de cidadãos produtores de conhecimento, de cultura e de tecnologia de forma autônoma, criativa e compartilhada. Aliás, brinca-se de formar pessoas em currículos tecnicistas aligeirados e pobremente estruturados nos projetos e oficinas de inclusão digital. Brinca-se de fabricar ilusões tal qual a empregabilidade daqueles que passam por cursos e oficinas de inclusão digital. Esquecem que a desigualdade e a crise social é um fenômeno por demais complexo par ser resolvido por oficinas de inclusão digital. Vendem os programas e projetos de inclusão digital, tal qual panacéia para todos os males sociais. E por fim acredita-se que adapatando cidadãos "acéfalos" ao mundo digital forjar-se-á uma sociedade da informação democrática e solidária. Sem dúvida a denominada exclusão digital merece toda a nossa atenção e empenho, assim como devemos perceber todo o sentido e significado social e político da adoção do software livre em nossa sociedade. Contudo, é fundamental que percebamos todas as facetas dessa realidade com um olhar responsável e comprometido, para assim construir caminhos que possam contemplar dignamente nossas demandas sociais legítimas.

Referências Bibliográficas:

BONILLA, Maria Helena. Inclusão digital e formação de professores. Revista de Educação, Lisboa. 2002.

CARTILHA DE SOFTWARE LIVRE. http://twiki.im.ufba.br/bin/view/PSL/CartilhaSL

GAVRI, Grupo de Administradores Voluntários da Rede de Informática . Disponível em: <http://twiki.im.ufba.br/bin/view/GAVRI>. Acessado em: 01 mar. 2005

GOUVÉIA, Luís Manoel Borges. Sociedade da Informação: Notas de contribuição para uma definição operacional. Disponível em: <http://www2.ufp.pt/~lmbg/reserva/lbg_socinformacao04.pdf>. Acessado em 01 abr. 2005

MAGALHÃES, João. Governo diz que 2005 será o ano da inclusão digital. Disponível <http://www.estadao.com.br/rss/tecnologia/2005/fev/12/4.htm- >. Acessado em: maio. 2005

NERI, Macedo Côrtes (coord.). Mapa da Exclusão Digital . Disponível em:<http://www2.fgv.br/ibre/cps/mapa_exclusao/apresentacao/apresentacao.htm> Acessado em: 18 mai 2005

PINHEIRO, Walter. Software Livre : A liberdade chegou! Trabalho do Deputado Walter Pinheiro (PT/BA) sobre o uso do Software Livre no Brasil.Centro de Documentação e Informação, Coordenação de Publicações. Brasília, 2004.

PORTAL DO GOVERNO. Disponível em: <http://www.softwarelivre.gov.br/>. Acessado em: 01 mar. 2005.

SILVEIRA, Sérgio Amadeu da. Exclusão Digital: a miséria na era da informação. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001.

SILVEIRA, Sérgio Amadeu da. Software livre: a luta pela liberdade do conhecimento. São paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004.

TABULEIRO DIGITAL. Disponível em: <http://twiki.im.ufba.br/bin/view/Tabuleiro/WebHome> Acessado em: 01 mar. 2005.

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