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"As drogas, mesmo o crack, são produtos químicos sem alma: não falam, não pensam e não simbolizam. Isto é coisa de humanos. Drogas, isto não me interessa. Meu interesse é pelos humanos e suas vicissitudes."
Antonio Nery Filho

Uso medicinal da cannabis tem sido alvo de debates na Folha

por Paula Boaventura em

Cerca de três meses após a realização do simpósio "Por uma agência brasileira de Cannabis Medicinal", organizada pelo CEBRID, com financiamento da SENAD e do Ministério da Saúde, o uso terapêutico da maconha volta ao debate, desta vez, nas páginas do jornal Folha de São Paulo. O motivo foram dois artigos da seção "Tendência / Debates", na qual, regularmente, o jornal publica artigos de especialistas com opiniões divergentes sobre determinado assunto.

Antes, vale ressaltar a atualidade do tema no cenário internacional. Na última semana, a Espanha autorizou o uso do medicamento Sativex, à base de cannabis e indicado para pacientes com esclerose múltipla. Outra informação sobre indicação terapêutica vem dos Estados Unidos, que aprovou recentemente o uso de maconha por veteranos de guerra nos 14 estados onde é permitido o consumo da substância.

Na Folha de São Paulo, a discussão atual parece ter se iniciado após a entrevista concedida pelo professor Elisaldo Carlini à Folha, publicada na véspera do citado simpósio e que aconteceu dias 17 e 18 de maio. Na entrevista, professor Carlini (que também foi coordenador do evento) fala das aplicações terapêuticas da maconha em pacientes em tratamento quimioterápico ou diagnosticadas com esclerose múltipla, sobre o uso medicinal da cannabis em vários países e as dificuldades para consolidar pesquisas deste padrão no Brasil.

Segundo a entrevista, o psicopatologista acredita que, pelo fato do Brasil ser signatário da ONU, o país está ainda muito longe de aprovar o uso medicinal da erva, o que, quando acontecer, poderá beneficiar dezenas de milhares de pacientes brasileiros. Na mesma semana, o jornalista Gilberto Dimeinstein abordou o simpósio em sua coluna, assim como falou também da pesquisa capitaneada pelo psiquiatra Dartiu Xavier (UNIFESP), o qual, durante três anos, obteve resultados positivos consideráveis no tratamento de usuários de crack através do uso da maconha como auxiliar terapêutico.

"Dartiu e Carlini sabem não só que a maconha afeta a concentração, o aprendizado e a memória, mas também que sua descriminalização não é uma medida de fácil implementação. O que está em discussão, porém, é o direito de fazer ciência honestamente sem correr o risco de ser apontado como marginal", afirma Dimeinstein, na intenção de trazer o aspecto científico como objetivo do debate.

Após a semana do simpósio, o assunto perdeu visibilidade nos grandes veículos de comunicação do país (entre os poucos que o noticiaram), quando, em 18 de julho, novamente a Folha de São Paulo o traz novamente, em seu editorial, no qual alerta sobre a necessidade de um debate mais amplo, com consulta popular para o tema que, segundo o periódico, é tão complexo quanto a legalização do aborto.

Na mesma semana do editorial, a seção Têndências / Debates traz o artigo assinado pelos membros do Instituto Nacional de Políticas sobre Álcool e Drogas (INPAD), os pesquisadores Ronaldo Laranjeira e Ana Marques. O título, "Maconha, o dom de iludir", já indica o posicionamento dos autores, que alerta para o crescimento de apreensões e de consumo da droga (dados da UNODC), descarta qualquer indicação científica que aprove o uso terapêutico da cannabis sativa e critica a descriminalização do uso da erva em alguns estados norte-americanos.

Baseados no texto "Cannabis Policy: Beyond the Stalemate", do pesquisador americano Robim Room, Laranjeira e Marques destacam efeitos colaterais do psicoativo (como problemas cardiorespiratórios, ansiedade e depressão) e classifica o discurso dos que defendem a legalização da droga como "popular, mas ambivalente e perigoso".

A resposta foi publicadada no domingo seguinte, em artigo assinado pelos neurocientistas Sidarta Ribeiro. João Menezes e Steven Rehen e pela psiquiatra da Secretaria de Saúde do Rio de Janeiro, Juliana Pimenta. O texto "Ciência e Fraude no debate da Maconha", afirma a necessidade de trazer o debate para o campo da saúde pública e alertam que mais informação, é um dos "antídotos contra o obscurantismo pseudocientífico".

O mesmo texto de Room foi usado como contra-argumento, considerando equivocado o uso da obra no texto de Laranjeira e Marques, pois, "o livro provém de um relatório com recomendações claramente favoráveis à legalização regulamentada da maconha". De acordo com o texto, diversos artigos científicos "atestam a eficácia da maconha no tratamento de glaucoma, asma, dor crônica, ansiedade e dificuldades resultantes de quimioterapia, como náusea e perda de peso".

A discussão das propriedades terapêuticas da marijuana e, por consequência, da descriminalização do uso, parece estar ainda muito longe de resultar numa concordância entre especialistas, ainda mais considerando os interesses ideológicos, econômicos, entre outros, que existem por trás de uma posição favorável ou não à liberação. O importante é verificar, no entanto, que aos poucos, fragmentado ou não, vem acontecendo discussões fora dos espaços especializados ou acadêmicos.

fonte: CETAD Observa; Folha de São Paulo

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