DESOCUPAÇÃO MANU MILITARI REIVINDICADA PELO REITOR DA UFBa: UMA AMEAÇA A TODAS AS UNIVERSIDADES PÚBLICAS
Roberto Leher (FEUFRJ) Em um contexto muito distinto, pois as proporções da ocupação estudantil eram incomensuravelmente maiores, Albert Einstein ligou para seu amigo, Max Born, igualmente um grande físico, Nobel de 1954, para expressar sua preocupação com o fato de que um grupo de estudantes revolucionários tinha ocupado a Universidade de Berlim, por ocasião do final da I Guerra Mundial, e prendido o reitor e alguns professores. Mesmo estando os estudantes armados – o confronto militar ainda não havia cessado inteiramente – Einstein não hesitou em se dirigir à universidade para dialogar com os jovens. Por sua respeitabilidade como professor e cientista, ele pôde entrar na universidade ocupada, defender o valor da liberdade acadêmica e, a seguir, intermediar as negociações com o presidente recém eleito, Friedrich Ebert, solucionando o conflito sem repressão e arrogância. Quase 90 anos após este episódio, por ordem do reitor da UFBa, na data comemorativa da proclamação da "República", ao raiar do dia, a Polícia Federal invadiu a Reitoria ocupada por estudantes há 46 dias, usando da força, levando estudantes de camburão para a Polícia Federal e despejando seus utensílios como se fossem lixo. Considerando o contraste com a postura de Einstein, não surpreenderá se o reitor abrir um processo interno para jubiliar os jovens que estavam ocupando um espaço público para reivindicar o debate democrático sobre um projeto de reestruturação da universidade. Por imposição do MEC e aquiescência do reitor com o ato heterônomo do governo, o referido projeto foi votado a toque de caixa, sem real discussão com a comunidade acadêmica, via-de-regra em sessões que violaram os valores acadêmicos mais estruturantes da instituição universitária, como o esclarecimento, o diálogo entre os pontos de vista divergentes e a publicidade dos atos nos colegiados universitários. Tive o privilégio de ter sido convidado para uma conversa informal com os estudantes na ocupação, quatro dias antes da repressão Federal, por ocasião do III Encontro de Educação e Marxismo, realizado na UFBa, no qual faria uma fala no dia seguinte. Em pleno domingo, e ao mesmo tempo em que a duas quadras estava sendo realizado um show conjunto Titãs - Paralamas do Sucesso, cerca de 70 jovens optaram por discutir questões mais profundas da universidade: a sua função social, a autonomia universitária, as consequências da mercantilizaçã o e da conversão das universidades federais brasileiras em organizações de ensino terciárias, nos termos bancomundialistas e do projeto Universidade Nova/REUNI. A abertura da conversa foi a partir de um criativo ato teatral inspirado no teatro do oprimido. A prosa teve como eixo a relevância das lutas estudantis de Córdoba – realizadas no mesmo ano em que Einstein corajosamente defendeu o ethos acadêmico sobre a força policial-militar (1918) – para a reforma das universidades latino-americanas, contra o dogmatismo das oligarquias, das igrejas, dos catedráticos avessos à pesquisa e à docência e em defesa da liberdade de cátedra, da indissociabilidade entre o ensino e a pesquisa, do governo compartilhado, do livre acesso dos jovens à universidade e do compromisso das universidades com os grandes problemas dos povos. A despeito da existência de pontos de vista distintos, o ambiente na ocupação era radicalmente democrático, respeitoso com a divergência, construtivo no pensar e fazer alternativas à "velha universidade" subordinada à razão instrumental de um capitalismo dependente. Ao lado dos painéis de azulejo, um precioso patrimônio, o alerta de que nada deveria ser colado em cima dos mesmos, pois as instalações da universidade são públicas. Há muito tempo não pude estar em um ambiente em que os valores universitários fossem tão vivos e genuinos. Saí da conversa otimista quanto ao futuro da universidade pública, pois minha convicção de que somente teremos uma reforma radical das universidades públicas com o forte protagonismo estudantil foi reforçada pelas extraordinárias contribuições daqueles estudantes. Em nome do futuro da universidade podemos celebrar a figura de Einstein. O reitor da UFBA, por outro lado, juntar-se-á a uma seleta galeria de "reitores" que tentou impor os seus pontos de vista por meio da repressão, como foi o caso do ex-"reitor" da UFRJ José Henrique Vilhena, e de todos os que silenciaram coniventes diante do AI-5 e do Decreto 477. A continuidade das retaliações contra os estudantes tem de ser vista como uma séria ameaça à concepção de universidade como um espaço de liberdade ilimitada em que é possível errar, sonhar e criar. Todos os que defendemos a liberdade acadêmica estaremos acompanhando com atenção os atos da administração para resguardar o direito a livre manifestação dos estudantes que, afinal, na áspera história da América Latina foi decisiva para forjar a universidade latino-americana!Quem tem medo do Marechal Naomar?
Quatro estudantes presos, muitos agredidos, mais ainda revoltados e revoltadas. Esse foi o saldo da não tão sábia decisão da reitoria da UFBA em autorizar a Polícia Federal a invadir seu Palácio para, à base de força, spray de pimenta e algemas, expulsar estudantes que há quase dois meses tentam negociar uma pauta de reivindicações justa e objetiva. Depois de 46 dias de ocupação do prédio da Reitoria, a atual Administração Central da UFBA acaba de entrar para a História de nossa universidade. Para a obscura História do autoritarismo. Depois de ficar um dia sob a custódia da Polícia Federal junto com mais três colegas, fiquei a imaginar o quanto companheiros e companheiras de um breve passado militar sofreram pela insistência na construção de uma outra sociedade. Foram poucas horas, mas foram algemas, camburão e metralhadoras. O tempo nesse momento parou. Ali não éramos estudantes, não éramos militantes, não tínhamos causa. Nada importava a não ser o fato de estarmos dentro de um carro escuro e obrigados a agüentar todos os comentários truculentos da Polícia que nos identificavam como, no mínimo, “vagabundos”. Éramos “vagabundos”. Dignos e dignas de metralhadoras armadas, de mãos algemadas e fichas na Polícia Federal. Éramos “vagabundos”, e agora somos criminosos. A Reitoria da UFBA, numa atitude tristemente cínica, passou quase dois meses apresentando a opinião de que não tínhamos pauta e de que nunca foi de nosso interesse negociar. E mesmo quando o processo de negociação começou, as declarações que a Administração dava à mídia era a de que sempre desconheceram nossas reivindicações. O curioso é que Naomar Almeida nunca apareceu em nossa frente. Depois de tentar dissolver o Conselho Universitário no último dia 19 de novembro e de tentar convencer a toda Universidade que desta ele fazia o que quisesse, o Reitor sumiu. Como de costume, suas palavras são apenas conhecidas nos jornais e noticiários. A Administração mente desavergonhadamente quando diz que nunca soube o que queremos. Ao invés do diálogo, Naomar escolheu a tática de mandar seus porta-vozes irem para a imprensa cumprir o papel patético de falar mal de nosso movimento, sem nunca se referir a nossa pauta. Durante todo o processo a Reitoria teve dois caminhos para resolver a ocupação da Reitoria. Um era sentar realmente para negociar as nossas reivindicações; o outro era tratar a nossa mobilização como caso de Justiça e de Polícia. O fato de Naomar ter optado pelo segundo caminho nos leva a duas conclusões importantes para compreender como se dará o processo de mobilização daqui para frente. A primeira conclusão é que a capacidade dirigente de nosso Reitorado está em xeque. Existem três categorias organizadas na universidade. Através de suas entidades, elas precisam ser ouvidas e consideradas enquanto categorias políticas que possuem demandas específicas a serem negociadas e atendidas. E, é claro, a função de “ouvir”, “considerar’, “negociar” e “atender” é toda da Administração Central. Desde que nossa mobilização teve início, nós nunca fomos “considerados” e muito menos “atendidos”. Pelo contrário. Enquanto estávamos na Reitoria, Naomar viajou e autorizou a força militar nos expulsar do prédio. Medo e autoritarismo são características que se combinam apenas em péssimos dirigentes. A segunda conclusão fundamental é que a partir de agora não teremos dúvida. A Reitoria trata a nós e a nossa pauta como caso de Polícia. E criminosos e criminosas, nós não somos. Logo, criminosa é a Administração. Criminoso e incapaz é Naomar Almeida Filho. O Reitor criou uma crise institucional na UFBA. Metade do Conselho Universitário de nossa universidade deslegitima a decisão tomada por Naomar no dia 19 de outubro. E sem dúvidas repudia a criminalização de estudantes que há dois meses apresentam exigências que sequer foram recebidas pela Reitoria. No episódio de ontem, Naomar conseguiu piorar o impasse político-institucion al que vive a UFBA. Antes de a Polícia espancar e prender estudantes, muitos colegas técnico-administrati vos e professores já considerava descabida e autoritária a postura unilateral como a Administração vinha conduzindo as discussões sobre o REUNI e a UniNova? na universidade. Agora ele conseguiu reunir, além de membros da comunidade universitária, lideranças políticas e intelectuais que nesse momento denunciam para o conjunto da opinião pública os constantes arbitrarismos dentro da Universidade capitaneadas pelo mesmo Reitorado que pousa de democrático na mídia. No episódio de ontem o presidente estadual e a presidente municipal do PT, Marcelino Galo e Martha Rodrigues, o Deputado Estadual Yulo Oiticica, o Deputado Federal Nelson Pelegrino, assim como dirigentes de outros partidos de esquerda como PSOL e PSTU, lideranças do MST, intelectuais da universidade, do movimento negro, dos movimentos de luta pela moradia, além de inúmeros advogados, todos e todas vieram à reitoria e estiveram conosco na Superintendência da Polícia Federal para convencer a Administração Central da UFBA que no Movimento Estudantil não há bandidos e que o Diretório Central de Estudantes da UFBA não está só. Nunca tivemos a intenção de convencer a Reitoria de nossa opinião política, sobretudo àquela de sermos contra o REUNI. Temos o direito à divergência. Mas não iremos tolerar nenhuma decisão que ameace a democracia na UFBA. E agora o Reitor passou dos limites. Spray de pimenta nos olhos de quem sabe que em sua história a nossa universidade apenas duas vezes havia sido invadida pela Polícia: uma na Ditadura Militar, outra na Ditadura de ACM. Gritos de revolta de estudantes, professores e funcionários que agora têm plena noção de que a UFBA não está segura. Lágrimas de choro de pais e mães que nunca imaginaram ver seus filhos e filhas serem espancados e dentro de um camburão na capa do jornal do dia seguinte. Algemas nas mãos de estudantes que nunca se sentirão suficientemente presos para lutar por uma universidade democrática e popular, e por uma outra sociedade. Sem ditadores. Esse foi o saldo da não tão sábia decisão da Reitoria. Era quinze de novembro. E no dia da República, o Marechal Naomar proclamou a Ditadura na UFBA. Gabriel OliveiraCoord. Geral do DCE UFBA
Conselheiro Universitário
Crime por crime, o melhor mesmo é chamar a Polícia
Crime por crime, o melhor mesmo é chamar a Polícia Há mais de um mês a Reitoria encontra-se ocupada por estudantes. Há mais de duas semanas o movimento estudantil aprovou em assembléia geral uma pauta de reivindicações. Há mais de duas semanas a Reitoria não funciona e os setores administrativos da universidade tiveram de ser relocados para funcionarem em outras unidades. A UFBA está em chamas e, enquanto isso, o Reitor andou por Brasília para entregar “em mãos”, conforme suas palavras, um projeto que até hoje ninguém conhece, ninguém debateu e ninguém decidiu. Desde o início de outubro, quando já sabíamos da capacidade tirânica de Naomar de passar por cima de opiniões e inventar uma Ata de reunião do Conselho, a ampliação do debate com relação ao REUNI é a nossa principal pauta. Mas a Reitoria finge surdez e acha que os rumos da UFBA não precisam ser debatidos pelo conjunto da comunidade universitária e muito menos por quem está fora dela. O Reitor brinca conosco, desconsidera nossa opinião enquanto categoria e administra a UFBA como ao playground de sua casa. Estamos em 4 de novembro. Amanhã, dia 5, será a primeira vez que a Administração Central da UFBA sentará conosco pra debatermos as reivindicações do movimento estudantil. Um mês e seis dias depois, o Reitor Naomar Almeida resolve nos receber para começarmos um processo de negociação. É interessante. A Administração frauda um Conselho, forja uma ata, decide pela UFBA, ignora uma mobilização que fechou as portas da Reitoria e viaja pra Brasília. Quando volta, passa em toda a imprensa e afirma que vai pedir reintegração de posse. Como assim? Deixa ver se entendi. Nós temos uma pauta, Naomar finge que não existimos. Nós criamos uma mobilização, Naomar finge que não vê. Nós fechamos a porta da Reitoria, Naomar viaja. E quando volta de Brasília, sem ter sentado uma única vez conosco, ameaça levar a Polícia pra nos tirar de lá? Ainda bem que entendemos direitinho o recado da Administração. E ao invés de esquecer nossa pauta e colocarmos o rabo entre as pernas, nós ocupamos a FAPEX. E ainda bem também que Naomar entendeu direitinho o nosso recado. Apenas 15 minutos depois de termos parado o funcionamento da FAPEX, marcaram conosco uma reunião de negociação. Parece que só no “tranco” o diálogo com a Reitoria funciona. No entanto, ainda que Naomar tenha sido obrigado por nós mesmos a iniciar um processo de negociação, o clima que a Administração tenta criar é de que o diálogo já estava aberto, que eles já estão cansados de tentar negociar conosco e que não resta mais outra opção a não ser a reintegração de posse. Uma boa tática. Mas velha demais. Velha demais porque não é a primeira vez que enfrentamos o autoritarismo dessa Reitoria e não é a primeiro vez que somos obrigado a parar o funcionamento de prédios administrativos para, ao menos, sermos ouvidos por Naomar. Não é a primeira, e não será a última. De sexta-feira pra cá temos sido constantemente intimidados com a ameaça da reintegração de posse. E não duvidamos da capacidade de Naomar tentar nos tirar da Reitoria à força. Definitivamente, não duvidamos. A questão é: nos tira à força da Reitoria, e depois? Espera que voltemos pra casa enquanto a democracia em nossa universidade sofre uma apunhalada nas costas? Enquanto isso, uma crise institucional criada pela própria Administração abre precedente pra outras possíveis e inumeráveis apunhaladas que poderemos sofrer daqui pra frente. Afinal de contas, professor Naomar, nem as Atas das reuniões de nosso Conselho Universitário precisam ser mais apreciadas. Aprova-se o que, como e quando quiser. Não, professor. Primeiro você precisa saber que não somos moleques que entraram na Reitoria pra brincar. Somos o movimento estudantil, somos o Diretório Central dos Estudantes, somos cada Centro e Diretório Acadêmico, somos cada estudante. Tentar nos expulsar à força da Reitoria, pode escrever, vai causar mais problemas à nossa universidade e à sua administração. Porque aí, além de todas as nossas reivindicações, vamos ter que provar pra você que não somos bandidos. E provaremos isso. Em segundo lugar, saiba que temos pressa de sair da Reitoria. Sempre temos. Mas temos ainda mais pressa em transformar a UFBA num espaço autônomo e democrático. E a sua gestão tem dificultado isso. Então, se precisarmos entrar na Reitoria e lhe ensinar a respeitar as pautas das categorias dessa universidade, faremos isso quantas vezes necessário for. E não é a ameaça de mandar a Polícia cuidar de nossa mobilização que vai nos fazer desistir. Muito pelo contrário. O DCE da UFBA não vai admitir ver o movimento estudantil ser criminalizado, como tem acontecido em outras universidades nos últimos dias. Se o professor acha que só a Polícia e a Justiça podem resolver as pautas de nosso movimento, então o primeiro conselho é renunciar ao cargo de dirigente dessa universidade. Ou será sua a responsabilidade de transformar a UFBA num palco de guerra. Porque se apenas um ou uma estudante sequer for agredido na Reitoria, dessa vez não deixaremos passar, como aconteceu na Faculdade de Direito no último dia 19. Pode chamar quem for pra tratar de nossos problemas na universidade. Inclusive a força militar. Estaremos tranqüilos e tranqüilas. Temos plena ciência de que o verdadeiro crime na UFBA, não fomos nós que cometemos. Gabriel OliveiraCoord Geral do DCE UFBA
Conselheiro Universitário
04/11/2007